terça-feira, 26 de abril de 2011

opções Breno Verissimo #- 12 minutos atrás- - Amigos
Sou Ateu Porque Preciso

Confesso: eu acredito viver no melhor universo possível!!!

Não suportaria existir em um universo regido por uma força divina, misteriosa e caprichosa.

Não suportaria saber que minha alma viverá eternamente, em eterno prazer ou sofrimento, baseado no que fiz ou deixei de fazer nesses poucos anos terrenos e com base em critérios inescrutáveis.

Não suportaria saber que vou seguir nascendo e renascendo, quase que infinitamente, mas sem lembrar de nada!

Se existe deus, então a vida não tem nenhum sentido. Quem tem sentido é deus e o nosso sentido provém dele. Não somos mais do que suas cobaias, manipulados daqui pra lá, correndo como hamsters naquelas rodinhas, ignorantes de seus verdadeiros propósitos. Ao seu bel-prazer, somos mortos, escravizados, santificados, até mesmo afogados em massa, quando falha o experimento.

Se existe deus, então todos os esforços da humanidade para se entender e se auto-gerir, toda a ciência e toda a filosofia, de nada valem. Se existe deus, então não existe ética ou moralidade: somente adequação ou não às regras impostas pela divindade.

Se existe deus e temos o livre-arbítrio, então o arbítrio de livre não tem nada, é uma dádiva da qual só desfrutamos porque nos foi concedida e pode ser tirada tão facilmente quanto.

Já disseram que, se deus não existe, então tudo é permitido. Mas se deus existe, por outro lado, então não vale a pena fazer nada, pois nada faz sentido.

sábado, 23 de abril de 2011

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O mito do Jesus histórico Oct 12, '04 2:18 PM
para todos

A CRIAÇÃO DO MITO DE JESUS

Os evangelhos não se pretendiam uma narrativa histórica mas um "midrash"
(uma composição de trechos das Escrituras que, do ponto de vista do autor,
estão relacionados e confirmam a mensagem que ele quer transmitir). Ou
parábolas com o enxerto de referências históricas. A intenção dos evangelistas
não era registrar com precisão os fatos mas transmitir ensinamentos religiosos.

Paulo foi um dos principais criadores da figura de Jesus. Ao cair do cavalo na
estrada para Damasco, vítima de insolação ou epilepsia, julgou estar divinamente
inspirado. Analisou as Escrituras em busca de revelações ocultas e, acreditando
que toda e qualquer idéia que lhe ocorria também era inspiração de Deus,
pareceu-lhe ter nelas encontrado o anúncio da vinda de Jesus.

O mundo de Paulo ainda era fortemente influenciado pela civilização grega, sua
cultura e seus deuses. Para os gregos e seus vizinhos, a verdadeira realidade era
a realidade mítica, onde viviam deuses e anjos. O mundo material era apenas um
reflexo dela, as sombras na caverna de Platão. As Escrituras não continham
profecias, mas revelavam um pouco desta verdadeira realidade.

O sofrimento e morte de Jesus eram fatos já ocorridos nessa realidade espiritual,
num tempo diferente do nosso, assim como as aventuras dos deuses gregos, não algo
que ainda ocorreria no mundo material (NOTA 1). Era desta "realidade" que falava
Paulo, não de um Jesus de Nazaré, de carne e osso. E seus "fatos" vinham das
Escrituras e das revelações de um Jesus espiritual. Na verdade, era Deus que
fazia as revelações. Jesus era apenas seu canal de comunicações, o "Logos" grego,
a "Sabedoria" judaica. Paulo descobriu "sobre" Jesus nas Escrituras e inspirações
divinas, não "da boca de" Jesus. Jesus era o "segredo que esteve escondido durante
eras" e que foi revelado por Deus.
Era necessário ter fé nesse Jesus mítico, espiritual, como Paulo por tantas
vezes insiste.
Mas por que seria necessário ter fé em que um homem existiu neste mundo, morreu
e ressuscitou? Isto seria um fato histórico, não algo só acessível através da fé.
Foi só mais tarde que se criou o conceito de um Jesus feito homem. Sua biografia foi
tirada das Escrituras. As narrativas do A.T., que foram sua origem e contavam
uma história já ocorrida, tornaram-se aos poucos profecias a respeito de sua
futura vinda.

Mesmo em livros escritos por volta do ano 120 d.C. ainda se mencionam
passagens do A.T. como fonte, não os evangelhos (que já deveriam ter sido
escritos e ser muito famosos e conhecidos, se tivesse havido um Jesus e
seus discípulos estivessem ativamente difundindo seus ensinamentos).

Mas ninguém fala "conforme eu ouvi da boca de Jesus", "conforme ensinou
Fulano, que foi discípulo de Jesus". Paulo só vai a Jerusalém anos depois
de cair do cavalo e nem menciona os lugares santos ou sua emoção em visitá-los.
Vai lá apenas para se encontrar com Pedro. E ninguém menciona Pilatos e o
julgamento de Jesus.

Paulo era o mestre, não Jesus. Em todas as suas disputas com os outros discípulos,
ele jamais foi acusado de distorcer as palavras de Jesus. Não havia "palavras de
Jesus". Os evangelhos e sua vida terrena ainda não tinham sido inventados.

É possível que versões primitivas dos evangelhos já existissem no final do
primeiro século, mas não faziam parte da corrente paulinista, predominante.
Só durante o segundo século começaram a ser mencionados e se incorporaram ao
conjunto de crendices contraditórias que cercava a figura de Cristo, defendidas
por centenas, talvez milhares de seitas que brigavam entre si.

OS EVANGELHOS SÃO UMA MONTAGEM DE ELEMENTOS DE VÁRIAS FONTES:

Muitos dos ensinamentos atribuídos a Jesus foram encontrados nos manuscritos
do Mar Morto, escritos pelos essênios pelo menos 100 anos antes de Cristo.
Eles eram conhecidos pelo seu desprezo às coisas materiais, faziam-se batizar
para a purificação do corpo e do espírito e iniciavam a vida pública aos 30 anos,
após 40 dias de jejum no deserto. Esperavam para breve a vinda do reino de Deus.

Frases como "amar seus inimigos", "se lhe pedem o casaco dá também a camisa"
e "dar a outra face" derivam dos estóicos/cínicos, um movimento filosófico
de origem grega que pregava o retorno a uma vida mais simples e humilde, em
oposição ao materialismo da sociedade urbana.

Muitos outros foram tirados do "Documento Q", uma coleção de ditos resultantes
da mistura da filosofia estóica/cínica, com o messianismo judeu.
Quando os evangelistas inventaram uma vida terrena para Jesus, cada um
localizou os ditos em contextos diferentes. Exemplos:

-Jesus fala sobre a força da fé, em Lucas 17:05 e Mateus 17:20. Em Lucas, o fato
ocorre durante uma jornada a Jerusalém, a pedido dos discípulos. Em Mateus, é
dito por Jesus na Galiléia, ao explicar porque os apóstolos não tinham conseguido
expulsar os demônios de um epilético, pouco depois da Tranfiguração (aliás, como
até hoje ninguém conseguiu mover uma árvore ou uma montanha com a força da
fé, conclui-se que ela é menor que um grão de mostarda na maioria das pessoas).

-A oração do Pai Nosso é ensinada, em Lucas 11:01, a pedido dos discípulos e
apenas a eles, na viagem a Jerusalém. Em Mateus 06:09, ela faz parte do Sermão
da Montanha, dirigido a uma multidão.

Outros ainda foram tirados das epístolas, onde não há nenhuma menção a terem
vindo de Jesus e não dos próprios apóstolos. Quanto aos milagres de Cristo,
grande parte foi copiada do Antigo Testamento e adaptada às novas circunstâncias:
- 2 Reis 04:42-44 e Mateus 14:13-21: Eliseu/Jesus e a multiplicação dos pães.
- 2 Reis 04:27-37 e Marcos 5:22-24: Eliseu/Jesus e a criança ressuscitada
- 2 Reis 05:08-14 e Mateus 08:01-04: Eliseu/Jesus cura um leproso
- Jonas 1 e Mateus 8:23-27: Jonas/Jesus acalma uma tempestade
- 1 Reis 17:22 e Lucas 7:14: Elias/Jesus ressuscita o filho da viúva
- 1 Reis 17:24 e João 4:19: Elias/Jesus é reconhecido como profeta

Finalmente, houve grande influência das religiões dos povos com as quais os
judeus conviviam, ou seja, egípcios, persas, gregos e romanos. Exemplos:

-A história do salvador nascido de uma virgem e tentativas de matá-lo
quando criança.
-Sua morte e ressurreição (em vários casos, no terceiro dia)
-Céu, inferno e juízo final (que não existiam no judaísmo original)
-Petra, no mitraísmo e no "Livro dos Mortos" egípicio, era o guardião das
chaves do céu. O mitraísmo também denominava Petra a um rochedo considerado
sagrado.
-Hórus lutou durante 40 dias no deserto contra as tentações de Sata
-Hórus, a luz do mundo; o caminho, a verdade e a vida
-Hórus batizado com água por Anup.
-Hórus representado por uma cruz
-A trindade Atom (o pai), Hórus (o filho) e Ra (o espírito santo)
-Krishna nasceu de uma virgem, transfigurou-se diante dos discípulos e foi morto
por soldados quando rezava com eles sob uma árvore.
-Apolônio e Hermes eram conhecidos como "o bom pastor" e eram
representados com um cordeiro nos braços
-A última ceia, frequentemente com uma bebida e um alimento que representavam
o corpo e o sangue de algum deus.
-A estrela guia, elemento frequente em lendas e mitologias antigas.
-Tamuz, deus da Suméria e Fenícia, morreu com uma chaga no flanco e, três dias
depois, levantou-se do túmulo e o deixou vazio com a pedra que o fechava a um
lado. Belém era o centro do culto a Tamuz.

FALSAS PROFECIAS:

Uma comparação cuidadosa revela que vários outros trechos foram aproveitados
fora de contexto ou tomados como profecia, quando na verdade se referiam a outras
coisas. Exemplos:

-Lucas 01:28-33, onde o nascimento de Jesus é anunciado a Maria, uma cópia quase
exata de Sofonias 03:14-18, onde se profetiza o triunfo de Israel sobre as
nações que a oprimiram.
-Mateus 02:05-06 e João 07:42, onde se diz que o nascimento de Jesus em Belém fora
profetizado. Entretanto, o trecho que fala de Belém (Miquéias 05:02), se refere
ao clã de David, Belém Éfrata, e não a uma cidade. Além disto, mesmo que fosse
uma cidade, o tal Messias profetizado viria para espalhar o terror e a morte
entre os inimigos de Israel e torná-la poderosa, enquanto que Jesus afirmou que
"meu reino não é deste mundo". Fala também que tal messias libertaria Judá dos
assírios, mas estes nunca invadiram suas terras. Na época em que Jesus teria
vivido, os assírios já não existiam mais.
-Mateus 01:22 cita Isaías 07:14 sobre o nascimento do messias de uma virgem,
quando Isaías falava de uma criança de seu tempo, 700 anos antes de Cristo, não
de uma virgem mas de uma jovem, não de Jesus mas de Emanuel.
-Mateus 21:01-07 (e os outros evangelistas) dizem que a entrada de Jesus em
Jerusalém montado num jumento fora prevista em Zacarias 09:09 mas, mais uma
vez, o rei de que fala Zacarias era um rei humano, que reinaria sobre Israel,
não Jesus. As aclamações do povo foram tiradas do Salmo 117:26 ("Bendito o que
vem em nome do Senhor").
-Mateus 26:15 e 27:03-10 fala da traição de Judas e das 30 moedas como tendo
sido profetizada em Salmos 41:09 e Zacarias 11:12-13. Entretanto, nenhuma das
passagens fala do messias. Nos salmos, é David, o autor, que se diz traído e se
considera um pecador.
E Zacarias diz ter recebido as 30 moedas por um serviço prestado, sem nenhuma
traição envolvida (e ele também devolve as moedas). Mateus diz que a compra do
campo do oleiro com as 30 moedas fora profetizada por Jeremias, mas tal profecia
não existe.
-João 02:14-16 (e os outros evangelistas) falam sobre como Jesus expulsou os
vendilhões do Templo. Considerando-se o tamanho do pátio do Templo e o fato
de que o comércio de animais era essencial à realização dos sacrifícios pelos
fiéis, não tinha nada de ilegal e tinha o apoio das autoridades religiosas,
parece improvável que um único homem com um chicote conseguisse expulsar a
todos, ainda por cima impunemente. Esta passagem parece ter sido inspirada em
Zacarias 14:21 ("Naquele dia não tornará mais a haver mercador na casa do Senhor
dos Exércitos") e Jeremias 07:11 ("Esta minha casa está convertida em um covil de
ladrões").
-Os Salmos 22:02-19, 34(33):21 e 69:22 foram usado na crucificação, embora nele David
falasse de seus inimigos e da perseguição que sofria do rei Saul e Abimelec:
"Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? [...] Todos os que me vêem
zombam de mim, abrem a boca e balançam a cabeça: "Ele recorreu a Javé ... pois
que Javé o salve! Que o liberte, se é que o ama de fato!" [...] Cães numerosos
me rodeiam, e um bando de malfeitores me envolve, furando minhas mãos e meus pés.
Posso contar todos os meus ossos. As pessoas me observam e me encaram, entre
si repartem minhas vestes, e sorteiam a minha túnica".
"Como alimento me deram fel, e na minha sede me deram vinagre"
"Javé protege os ossos do justo: nenhum deles será quebrado".

De qualquer modo, não se podem levar a sério profecias que se dizem realizadas no
mesmo livro em que foram feitas. É preciso que a comprovação seja externa ao
livro. E isto não acontece. Um exemplo perfeito de profecia fracassada está em
Ezequiel 26 e 29 (NOTA 2). E pode-se suspeitar de que várias "profecias" foram
feitas depois do fato ocorrido.

Profecias e histórias sobre o justo que sofreu, foi injustamente acusado,
perseguido e morto (ou foi salvo da morte no último instante), sendo então
reabilitado e exaltado, são comuns ao longo da Bíblia. Refletem provavelmente
os sonhos de grandeza dos judeus, povo frequentemente perseguido e escravizado,
e suas esperanças de que seu deus os ajude a triunfar sobre povos que os oprimiam.

Além disto, mesmo que Jesus tivesse existido, ele certamente seguiria as
Escrituras como um roteiro para provar que era o Messias. Por exemplo, entraria em
Jerusalém montado num jumento como fez o rei humilde em Zacarias 09:09. Note-se
que os evangelhos dizem claramente "e ele o fez para que se cumprissem as Escrituras".

CRONOLOGIA RESUMIDA DO SURGIMENTO DOS EVANGELHOS:

Há uma epístola apócrifa, denominada 1 Clemente, enviada de Roma aos
Coríntios no ano de 96 d.C., onde pela primeira vez Jesus é mencionado como
mestre e ensinamentos lhe são atribuídos. Várias passagens lembram o Sermão
da Montanha mas há outras que também lembram os evangelhos mas não são
atribuídas a ninguém ou então citam o Antigo Testamento. Ainda não há
menções a uma vida terrena nem sobre milagres ou João Batista. Mesmo quando
fala do julgamento e morte de Cristo, Clemente cita Isaías. Seu Jesus parece
ser algo que ele contruiu a partir das Escrituras.

Por volta do ano 107 d.C., nas 7 cartas escritas por Inácio, surgem as
primeiras menções a Herodes, Pôncio Pilatos e Maria. Há até um trecho sobre
a aparição de Jesus ressuscitado aos discípulos, mas ainda nada se diz dos
evangelhos ou que Jesus tivesse sido um mestre.

Na época de Inácio foi escrita a Didaké (ou Didache), onde nada se fala dos
ensinamentos de Jesus e a oração do Pai Nosso é atribuída diretamente a
Deus. Nada de última ceia, morte e ressurreição. Deus é o mestre e Jesus
aparece apenas como filho de Deus e seu servo, cuja função é servir de canal
de comunicação entre Deus e os homens.

O nascimento de um Jesus terreno aparece pela primeira vez no texto
"Ascensão de Isaías", que data de 115 d.C. Mas a história é diferente. Jesus
nasce na casa de Maria e José em Belém, não numa mangedoura durante uma
viagem, e Maria só mais tarde descobre que seu filho era especial. Nada
sobre pastores, magos, Herodes e fuga para o Egito. Os evangelistas se
basearam nesta história mas cada um a modificou à sua maneira, mantendo em
comum apenas a referência a Belém, provavelmente por causa da profecia de
Malaquias sobre o nascimento lá de um futuro rei de Israel. A fuga para o
Egito, por exemplo, só existe num dos evangelhos. Em outro, Jesus volta
diretamente para casa e é apresentado no templo (NOTA 3).

A primeira referência a Pilatos numa epístola surge em 1 Timóteo 6:13, que
deve ter sido escrita por volta de 115 d.C., mas ela é tão omissa quanto ao
resto que acredita-se que esta seja uma inclusão posterior. 1
Tessalonicenses afirma que os judeus mataram Jesus mas há um consenso entre
os estudiosos da Bíblia sobre esta ser uma inclusão posterior também.

2 Pedro, escrita por volta de 120 d.C., fala na vinda futura de Jesus (não o
seu retorno) e seu autor cita profecias do AT, não uma promessa feita por
Jesus. No fim do capítulo 1, esta epístola menciona algo que lembra a
transfiguração de Jesus dos evangelhos mas o fato é apresentado como uma
amostra do que seria a vinda futura de Jesus e de seu poder. E a fonte, mais
uma vez, são as Escrituras, não um Jesus terreno.

Barnabás (120 d.C.) é mais uma coleção de tradições orais e lendas, sem
menção aos evangelhos ou Jesus de carne e osso, embora algumas passagens
lembrem seus ensinamentos e haja vagas referências a acontecimentos
históricos. Quando fala da paixão de Cristo, se baseia nas Escrituras.

Uma carta de Policarpo, bispo de Esmirna (130 d.C.) já está bem próxima dos
evangelhos em vários trechos mas ainda faz referência aos documentos acima,
não aos evangelistas.

Há escritos de Papias da época de Policarpo que se perderam mas são
mencionados por Eusébio e estes começam a fazer referência aos evangelhos.
Segundo Eusébio, Papias disse que um certo João disse que Marcos tinha sido
o intérprete de Pedro e registrou o que Pedro ainda se lembrava dos
ensinamentos do Senhor, aos pedaços e sem ordem. Ou seja, ainda não era um
evangelho narrativo.

Por volta de 140 d.C, o gnóstico Marcião usou trechos de uma versão prévia
do que viria a ser o evangelho de Lucas. Sabemos disto porque Tertuliano
condenou sua interpretação do texto anos mais tarde. A versão que Marcião
usou era diferente da atual, o que mostra que os evangelhos passaram por
várias revisões. E isto ocorreu provavelmente porque na época os evangelhos
não passavam de textos soltos de vários autores e ninguém os considerava
sagrados nem inalteráveis, apenas considerações pessoais sobre Jesus e seus
ensinamentos.

Na verdade, este processo de revisão pode ser visto ao longo dos 30 anos que
separam Marcos de João. Cada um é uma adaptação do anterior à realidade de
sua época. Um exemplo é o progressivo envolvimento dos judeus na condenação
de Jesus e a "desculpabilização" dos romanos.

Os evangelhos, aliás, nem tinham nomes. Justino, o Mártir, por volta de 150
d.C. ainda os chama apenas de "Memórias dos Apóstolos" e o que ele cita são
apenas ensinamentos soltos. Tais trechos divergem dos evangelhos atuais e
não há nada do evangelho de João.

A primeira menção que já foi encontrada aos 4 evangelistas é a de Ireneu,
bispo de Lyons, por volta de 180 d.C., onde ele comenta que deveria haver 4
evangelhos porque havia 4 ventos e 4 cantos da Terra.

Finalmente, acredita-se que os Atos tenham sido escritos pela igreja de Roma
em meados do segundo século para criar uma imagem mais favorável de Paulo,
que na época era apontado pelos gnósticos como seu líder (por se basear
apenas nas revelações recebidas diretamente de Deus e não através da Igreja,
ou seja, do Jesus terreno e dos apóstolos). As epístolas, pelo contrário,
mostram Paulo rejeitando a versão de Tiago e os outros, embora eles tivessem
convivido com Jesus.

No concílio de Nicéia (325 d.C.), houve uma primeira separação entre canônicos
e apócrifos. As lendas contam que os livros estavam sobre o altar e os apócrifos
caíram, ficando apenas os canônicos. Ou que os canônicos saíram voando e se
empilharam sozinhos sobre o altar. Ou que, estando a igreja completamente
fechada, uma pomba (o Espírito Santo) entrou e sussurrou ao ouvido de cada
bispo qual era o cânon.

Mas a primeira lista do Novo Testamento (com 27 livros) foi feita pelo bispo
Atanásio, em sua Carta da Páscoa de 367 d.C.. Esta lista foi reafirmada num
concílio em Roma em 382 e depois em concílios em Hippo (393) e Cartago
(397 e 419). Entretanto, tais concílios tiveram na época efeito apenas local,
persistindo as divergências dentro da Igreja Católica como um todo até o
concílio de Trento, em 1545, onde a discussão foi tão acalorada que chegou
a haver agressões físicas entre os participantes.

FONTES NÃO CRISTÃS

Os crentes costumam citar como provas de que Jesus existiu as "muitas"
referências feitas a ele por escritores "contemporâneos". Nenhum deles
foi contemporâneo. O livro de Flávio Josefo é o que mais se aproxima
disto, mas a menção a Cristo parece ser um enxerto posterior, feito por
copistas cristãos (não temos os originais), já que não combina com a
visão do autor no resto da obra. As demais referências só surgiram 100
ou mais anos depois, e todas apenas relatam a existência de uma seita
cujos membros diziam seguir a um tal de Cristo, ou seja, registram o que
diziam os cristãos, sem afirmar que Jesus seria um fato.

NOTAS:

(1) Os gregos (e também os europeus até os tempos de Copérnico e Galileu)
acreditavam que a Terra era o centro do universo. Em volta dela havia
esferas de cristal concêntricas, cada uma sustentando um dos 7 planetas
conhecidos. Na esfera mais interior, a da Lua, ficavam os demônios,
mensageiros entre os homens e os deuses, e além da sétima esfera ficavam
os deuses. Para Paulo e seus correligionários, em vez dos deuses havia um
único deus e os demônios eram forças do mal (em Efésios 06:12 eles estão
nas regiões celestes; só mais tarde foram relegados às profundezas da terra;
são eles os dominadores do mundo, não os humanos). Segundo apócrifos do fim
do primeiro século, como a "Ascenção de Isaías", Jesus teria partido numa
jornada através das esferas até chegar à mais interior, nascendo de uma
mulher (assim como Attis nascera de Cibele e depois se sacrificara). Os
demônios, sem perceber quem ele era, o teriam morto. No final do século I,
nenhuma menção a um Jesus terreno. Nada de perdão dos pecados, nada de
ensinamentos. Pilatos não o julgou, não houve Calvário.
A missão desse Jesus, que tinha aparência humana mas não era de carne e
osso, era derrotar o anjo da morte e resgatar os justos.
I Coríntios 02:08 fala novamente dos dominadores do mundo, não de Pilatos,
por exemplo. Orígenes e Marcião também interpretam Paulo desta forma.
Jesus desce então aos infernos (o Sheol) e ressuscita três dias depois.
Retorna aos céus levando com ele as almas dos justos e, a partir desse dia,
os justos que morressem iriam também para o céu. Este era o segredo escondido,
no qual era preciso acreditar para se escapar do inferno. Jesus era o cordeiro
imolado desde o início dos tempos (e não no ano 33).

(2) Ezequiel 26 diz que Yaveh deu a cidade de Tiro a Nabucodonosor para saquear
e destruir. A cidade seria coberta pelo mar e nunca mais voltaria a existir.
A história nos diz que Tiro foi sitiada por Nabucodonosor mas que este não
conseguiu tomá-la. A cidade foi destruída séculos mais tarde por Alexandre o
Grande mas recuperou-se e é hoje uma cidade moderna. E o mar não a cobriu.
Ezequiel 29 diz que, como compensação pelo fracasso em Tiro, Yaveh lhe daria
o Egito e os países vizinhos, também para saquear e destruir. O Egito seria
devastado e seus habitantes se dispersariam pelo mundo. Nada
disto aconteceu.

(3) A estrela guia é um elemento comum nas histórias de heróis antigos e também
há uma matança de inocentes na lenda de Moisés. Herodes matou vários de seus
próprios parentes com medo que lhe tomassem o poder, o que pode ter inspirado
os evangelistas, mas não há registro histórico de matança indiscriminada de
crianças.

(4) Os cristãos também costumam citar o Talmud como prova de que Jesus existiu, já que foi escrito a partir do ano 70, mas há alguns problemas com essa referência. Há pelo menos 2 Talmuds, o de Jerusalém, escrito entre os anos de 70 e 200, e o babilônico, compilado no século V. É o babilônico que faz menção a um tal de Yeshu ben Panthera, filho de um soldado romano chamado Panthera e uma judia adúltera. Ele teria tido alguns discípulos e foi condenado ao apedrejamento. Portanto, nem é da época de Cristo nem fala do Jesus dos evangelhos.

FONTES:

-Sobre a definição do cânon da Bíblia:
http://www.infidels.org/library/modern/larry_taylor/canon.html

-Sobre o uso de passagens do Antigo Testamento:
"Miracles and the book of Mormon"
http://www.bowness.demon.co.uk/mirc1.htm

-Sobre a influência de religiões antigas:
http://www.strbrasil.com/Atheos/jesus.htm
"Pagan origins of the Christian mith"
"Krishna e Jesus" (um site que tenta mostrar as diferenças, mas aponta várias semelhanças)

-Sobre a ausência de menções a um Cristo histórico no primeiro século:
"The Jesus Puzzle", por Earl Doherty
http://www.humanists.net/jesuspuzzle/home.htm

-Este texto analisa apenas as fontes não cristãs citadas como
provas da existência de Cristo, como Tácito, Flávio Josefo,
Suetônio e outros:
"Jesus: Non-Christian Documentary Sources" por Paul N. Tobin
http://www.geocities.com/paulntobin/sources.html

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Nem só Jesus Cristo tinha poder
Por Widson Porto Reis


Ele nasceu do útero de uma virgem e seu nascimento foi anunciado por um anjo. Reuniu ao seu redor um grupo de leais seguidores a quem transmitiu uma avançada mensagem de igualdade e fraternidade. Foi um agitador das massas e suas palavras tanto desagradaram aos romanos que acabaram por matá-lo. Em vida fazia inúmeros milagres: curava inválidos, anulava pragas, expulsava o demônio das pessoas e certa vez até ressucitou uma menina. Mas o maior dos seus feitos foi sua própria ressurreição, é claro. Uma vez completada sua missão, tomou seu lugar ao lado do Pai, do Espírito Santo e de sua própria mãe, também alçada aos céus, deixando aos seus seguidores em terra a dura tarefa de explicar como tinha tanta gente no céu se Deus era para ser único.

Ah sim, esqueci de dizer que não estou falando de Jesus Cristo. Estou falando de Apolônio de Tiana.

Filósofo neo-aristotélico nascido na Capadócia no século I, um dos muitos profetas de seu tempo que, apesar das semelhanças no currículo, não teve a sorte de se tornar tão popular quanto seu colega de messianato.

Apolônio era basicamente um Cristo com maiores e melhores poderes. Além de fazer enxergar os cegos e andar os mancos, transmutar água em vinho e outros milagres usuais, Apolônio podia estar em dois lugares ao mesmo tempo, era capaz de ler pensamentos e falava línguas que nunca tinha aprendido. Certa vez, aprisionado pelo imperador romano, que o acusou de traição, escapou, milagrosamente é claro.

Mas não só de poderes mágicos se constrói um Messias. Um autêntico Messias precisa de um plano de salvação espiritual, de uma mensagem revolucionária de paz e amor. Apolônio tinha isso também. Como Jesus, Apolônio permaneceu celibatário e deu tudo o que tinha aos pobres, que não era pouco pois seus pais lhe deixaram uma polpuda herança ao morrer. Como J.C., Apolônio se opunha às danças, aos prazeres carnais e aos violentos espetáculos dos gladiadores (acho que Jesus não fez uma menção específica a isso nos testamentos mas suponho que ele teria algo a dizer sobre o assunto se alguém tivesse perguntado). Contrariamente a Jesus no entanto, Apolônio era vegetariano e condenava os sacríficos animais, tão frequentes em seu tempo (o que teria garantido pontos extras se eu estivesse considerando abraçar o cristianismo). Apolônio orava, mas considerava desprezível a idéia de que Deus pudesse ser demovido de Seu supremo propósito para atender as súplicas mundanas. Seres com que se podia fazer pactos, pregava Apolônio, não eram deuses, eram menos do que homens. Começo a entender porque a audiência de Apolônio tornou-se tão menor que a do Jesus… quem ia querer saber de um deus que não atende pedidos em plena Copa do Mundo?!

Diz-se que Apolônio era sempre sereno e nunca se zangava, ou seja, não era do tipo que armaria o maior barraco por causa de camelôs vendendo quinquilharias em pleno templo. Nisso eu defendo o Jesus. Queria ver Apolônio manter a serenidade diante de uma banca de adesivos “Deus é Fiel” e camisetas camufladas escritas “Exército de Deus, Aliste-se Agora“.

Apolônio, como Jesus, tinha um jeito com as palavras; quando, dias antes de ser morto, avisou aos seus apóstolos onde estaria depois de ressucitar, um deles lhe perguntou: “você estará vivo ou o quê?” ao que Apolônio respondeu: “Do meu ponto de vista estarei vivo, do de vocês estarei revivido”. Como convém aos verdadeiros profetas, como Jesus, o Oráculo de Matrix, o Mestre dos Magos e tantos outros, Apolônio sempre dava um jeito de falar por enigmas. Se ele soubesse a confusão que isso poderia causar alguns milhares de anos depois entre seus seguidores, teria sido mais objetivo.

Apolônio era popular em seu tempo; foi saudado por centenas ao adentrar os portões da cidade grega de Alexandria, assim como Jesus o foi ao chegar a Jerusalém. Sua partida para o reino dos céus parece ter sido mais teatral, entretanto. Depois de entrar em um templo grego, Apolônio simplesmente desapareceu, enquanto um coro de virgens entoava cânticos em sua homenagem.

O que a Igreja Católica diz sobre Apolônio? O argumento mais frequente é que a história de Apolônio Cristo não foi escrita por testemunhas oculares. Bem, até aí nada, já que a de Jesus Cristo também não foi. Aliás, se há uma coisa sobre a qual concordam todos os historiadores modernos é que nenhum dos evangelhos do novo testamento foi escrito por alguém que tenha pessoalmente conhecido Jesus (sobre isso recomendo duas fontes sérias: “Jesus e Javé” de Harold Bloom, um renomado intelectual judeu (que leio no momento) e “A História do Cristianismo” de Paul Johnson um dos maiores historiadores vivos, do qual li até hoje somente os três primeiros capítulos). Pelo contrário: é geralmente aceito que os evangelhos foram escritos baseados em tradições orais quase meio século depois da morte de Jesus.

Já de Apolônio quase tudo o que se sabe foi escrito pelo filósofo ateniense Flavius Philostratus entre os anos de 205 a 245 D.C baseada nos escritos de um dos discípulos conteporâneos de Apolônio: Damis de Nineveh. Philostratus foi instruído a escrever a biografia de Apolônio por Domna Julia, esposa do imperador Septimius Severus, uma amante da filosofia que tinha em seu templo particular estátuas de alguns grandes homens sábios, como Orpheus, Jesus e o próprio Apolônio. Da biografia escrita por Philostratus nasceu o culto Apolônico, que durou muitos séculos mas, como se sabe, nunca foi tão bem sucedido quanto aquele outro.

Em um jogo de “Super-Trunfo” que trouxesse profetas em vez de carros ou tanques, a carta de Apolônio certamente perderia no quesito “popularidade” e “flagelo” mas ganharia fácil em “santidade” . Afinal, enquanto Jesus era visto com prostitutas, tinha uma história mal contada com Maria Madalena (aquela história da lavagem dos pés não te lembra o diálogo sobre pés e massagem em Pulp Fiction?) e regalava-se com vinho e carne, Apolônio era abstêmio, não comia nada que não viesse da terra e era visto como um homem santo já em vida. Digamos que Dan Brown teria mais dificuldade em fazer intrigas com a vida sexual de Apolônio do que teve com Jesus (o que nos teria rendido um best-seller mal escrito a menos se a história tivesse sido diferente). Sendo assim o velho jogo do “meu messias é melhor que o seu” começou logo cedo e continua até hoje. Os primeiros historiadores cristãos, como Eusébio de Cesáreia, no século III, até reconheciam os milagres e a santidade de Apolônio mas diziam que, enquanto os milagres de Jesus eram manifestações de Deus, os de Apolônio eram coisa do diabo (o original grego usa a palavra “daemon“, que significa tão somente um ser espiritual, mas a conotação negativa foi a empregada pelos sucessivos teólogos cristãos). Mais tarde a tática para desacreditar Apolônio passou a ser acusar Philostratus de plagiar os evangelhos cristãos, algo que Eusébio, que estava na época e no lugar certo para saber disso, nunca fez. Hoje discute-se se não foram os escribas cristãos que se inspiraram na biografia de Apolônio.

A história de Apolônio me fascina. Primeiramente porque mostra como as histórias de milagres na antiguidade e de homens santos que voltaram da morte não são únicas nem tão especiais quanto os cristãos imaginam. Em segundo lugar porquê como admirador das minorias alternativas e geralmente fracassadas, como PDAs Newton, fitas Sony Betamax e Ceticismo Brasileiro, é bom saber que tenho uma alternativa para o dia em que pensar em me converter; só preciso aceitar Apolônio no meu coração.

Nota: Há pouquíssimos links sobre Apolônio em português, mas este é esplendidamente bem escrito e traduzido.

Outros Messias além de Apolônio de Tiana são conhecidos.

domingo, 3 de abril de 2011

O risco da crendice
Acesso rápido
Páginas amarelas de VEJA
2000 | 2001
Diretor de ONG americana que combate as superstições diz que vivemos uma era de irracionalismo e que acreditar em tudo pode ser perigoso

Daniel Hessel Teich


"Pode parecer inofensivo acreditar em espíritos ou telepatia. Não é. Quem acredita nisso pode acreditar em qualquer coisa"
Holly Freedman

O psicólogo americano Michael Shermer dedica-se há nove anos ao que considera uma cruzada: em defesa do pensamento científico, ele combate superstições, crendices e mitos. Suas armas são palestras que faz pelos Estados Unidos, cursos no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), participações em programas de televisão e de rádio e sete livros sobre o assunto. O último deles, Fronteiras da Ciência: onde o que Faz e o que Não Faz Sentido Se Encontram, foi lançado no ano passado nos Estados Unidos. Shermer é diretor da Sociedade dos Céticos, uma espécie de ONG que tem entre os simpatizantes cientistas do calibre do paleontólogo Stephen Jay Gould, um dos principais escritores de divulgação científica do mundo. Colunista da revista Scientific American, ele mantém um site na internet dedicado a desmascarar charlatães. Quando não está debatendo com crédulos de todos os matizes ou escrevendo livros, Shermer se dedica a outras tarefas não menos desgastantes. É apaixonado por corridas e enduros de bicicleta e participante assíduo de competições como a Race Across America, que cruza os Estados Unidos de ponta a ponta.

Veja – Por que o senhor afirma que estamos vivendo um momento de irracionalismo?
Shermer – Nós somos menos crédulos e supersticiosos do que eram as pessoas há 500 anos. A história é outra se compararmos com 25 anos atrás. O irracionalismo só tem aumentado. Pesquisas mostram que cada vez mais se acredita em astrologia, experiências extra-sensoriais, bruxas, alienígenas e discos voadores, na existência da Atlântida. Há uma lista enorme de coisas absurdas. O espantoso é que não são apenas os lunáticos que crêem nessas coisas. Muita gente com bom nível de educação também cai nessa. São crenças pegajosas, que se fixam de forma muito mais forte do que podemos imaginar.

Veja – Por que isso acontece?
Shermer – O irracionalismo tem aumentado principalmente por culpa da comunicação de massa e da internet. As pessoas que vivem da exploração dessas crenças são hábeis na exploração desses recursos. Usam técnicas de vendas como telemarketing, anúncios e promoções. As religiões tradicionais vêm perdendo muito espaço nos últimos anos, o que tem deixado um campo aberto para crenças alternativas como paranormalidade e cultos da nova era.

Veja – Não é paradoxal que isso aconteça no momento em que o conhecimento e a ciência sejam tão difundidos?
Shermer – A explicação é simples. As pessoas procuram crenças que as consolem, coisa que a ciência não faz. É mais fácil acreditar em crendices e superstições que na ciência. As pessoas querem respostas para questões de cunho moral, que a ciência não tem como responder. Nós não devemos esquecer que todos os seres humanos, entre eles os cientistas e os céticos, querem ter uma vida melhor. Sob esse ponto de vista, é difícil resistir ao canto de sereia do misticismo.

Veja – O que o senhor acha do enorme sucesso no Ocidente de orientalismos como o feng shui, a doutrina chinesa que propõe o uso da decoração e da arquitetura para reequilibrar a energia das pessoas?
Shermer – As pessoas estão tentando dar sentido às coisas a sua volta. Querem botar ordem num caos que não conseguem compreender. Coisa parecida acontece entre as tribos animistas da Amazônia. Os índios crêem que o mundo está repleto de espíritos e forças que ajudam a arrumar esse caos e tratam de invocá-los como podem. É claro que os brasileiros que vivem nas grandes cidades não levam a sério o animismo dos ianomâmis e provavelmente ririam dos pajés se os vissem tentando arrancar os encantamentos e os espíritos que eles acreditam ser a causa das doenças. Na verdade, essas crenças dos povos primitivos têm tanto fundamento científico quanto as bobagens oferecidas pelos pajés do feng shui.

Veja – O senhor poderia enumerar algumas dessas crenças que foram moda nos últimos anos e logo depois abandonadas como charlatanices?
Shermer – Todos se lembram dos famosos biorritmos, aquela história de que era possível usar os ciclos do corpo que se repetem em ritmos regulares para traçar previsões sobre a carreira, a vida amorosa e o futuro financeiro de uma pessoa. Muita gente ganhou fortunas com isso e hoje ninguém mais toca no assunto. Outra bobagem foi o Triângulo das Bermudas. Dizia-se que era um lugar onde navios e aviões desapareciam misteriosamente. Há ainda o poder das pirâmides, que se acreditava capaz de conservar comida, afiar facas e até aumentar a potência sexual. É bobagem pura, que ninguém mais leva em consideração. Há também as cirurgias psíquicas nas Filipinas e na América do Sul, mas já são menos freqüentes. Foram desmoralizadas depois que mágicos demonstraram a facilidade com que se produzem os truques ditos paranormais.

Veja – O que o senhor pensa de quem acredita em duendes e bruxas?
Shermer – Adultos crêem nisso pela mesma razão por que acreditam no feng shui. O ser humano é um bicho que se senta em torno da fogueira e conta histórias. E com isso adquire experiência para enfrentar o mundo. É assim desde os tempos das cavernas. Ocorre que, com a diversidade de culturas, os povos fazem isso numa miríade de formas, chamando as forças animistas de diferentes nomes. Duendes e bruxas são dois entre milhares deles. O que importa é que por baixo de todos esses nomes está a crença nas superstições e a necessidade de explicar o mundo de forma mágica.

Veja – Como o senhor justifica a vantagem do pensamento científico sobre o obscurantismo?
Shermer – A ciência é o único campo do conhecimento humano com característica progressista. Não digo isso tomando o termo progresso como uma coisa boa, mas sim como um fato. O mesmo não ocorre na arte, por exemplo. Os artistas não melhoram o estilo de seus antecessores, eles simplesmente o mudam. Na religião, padres, rabinos e pastores não pretendem melhorar as pregações de seus mestres. Eles as imitam, interpretam e repetem aos discípulos. Astrólogos, médiuns e místicos não corrigem os erros de seus predecessores, eles os perpetuam. A ciência, não. Tem características de autocorreção que operam como a seleção natural. Para avançar, a ciência se livra dos erros e teorias obsoletas com enorme facilidade. Como a natureza, é capaz de preservar os ganhos e erradicar os erros para continuar a existir.

Veja – Acreditar em superstições é um comportamento de risco?
Shermer – A maior parte das pessoas pensa que acreditar em espíritos ou telepatia é inofensivo. Não é. Por uma razão simples: quem acredita em coisas para as quais não existe nenhuma evidência pode acreditar em tudo. Da mesma forma que o consumo de maconha pode levar à heroína, crenças simplórias em fantasmas e discos voadores podem levar a outras mais perigosas.

Veja – Como é possível separar o que é ciência do que é pseudociência?
Shermer – É uma tarefa complexa. Eu adoto um modelo para definir, de um lado, a ciência consagrada e, de outro, a pseudociência. Entre ambas há uma zona cinza, fronteiriça. Nessa região ficam linhas de pesquisas feitas por profissionais sérios, perscrutadas por publicações científicas de prestígio, mas que têm objetos de estudo um tanto quanto exóticos. Podem, de um momento para outro, cair tanto para o lado da ciência quanto para o da crendice. Na área cinzenta estão a busca de vida fora da Terra, a acupuntura e teorias econômicas, como o socialismo. Na área da não-ciência estão a astrologia, a negação do holocausto e a ufologia.

Veja – A exploração de crendices é um grande negócio. O senhor tem como avaliar o dinheiro que isso movimenta?
Shermer – Ninguém sabe exatamente quanto se movimenta nesse mercado que envolve milhares de formas de ganhar dinheiro. Só os medicamentos alternativos rendem dezenas de bilhões de dólares por ano. Assim, se considerarmos todas as categorias juntas, eu calcularia o lucro da pseudociência em 1 trilhão de dólares por ano. Temos de lembrar ainda que essa fonte de ganho se torna ainda mais tentadora quando se trata de religiões e seitas isentas de impostos.

Veja – Por que esse é um negócio para o qual parece não existir fronteiras?
Shermer – As pessoas gostam de acreditar que as coisas não acontecem por si mesmas, mas por alguma razão ou motivo. Uma pesquisa mostra que um dos motivos de as pessoas acreditarem em Deus é o fato de que o mundo é tão bonito e o universo segue mecanismos tão delicados que seria impossível não existir um criador para tudo isso. Esse é, de certa forma, um pensamento baseado em conhecimento científico, nas relações de causa e efeito. Precisamos levar em conta que nem sempre há motivos ou explicações para tudo o que queremos.

Veja – Alguns cientistas tentam entender o poder da fé e das orações na cura de doenças. O que o senhor acha desses estudos?
Shermer – Eles são falhos por três razões primárias. A primeira: não há como comprovar cientificamente se as pessoas estudadas têm fé ou se estão rezando. Elas dizem que têm, e ponto final. Segunda: muitos desses estudos não avaliam variáveis importantes como idade, sexo, situação socioeconômica, condições físicas, fatores que poderiam contribuir para outros resultados. E, por último, a maioria dos resultados de um estudo desses não pode ser repetida. As variáveis de análise são tão subjetivas que um estudo jamais terá o resultado semelhante ao de outro. Ou seja, essas pesquisas não são nem um pouco confiáveis.

Veja – Por que uma das mais populares práticas místicas gira em torno de pessoas que se propõem a conversar com os mortos ou realizar curas com a ajuda deles?
Shermer – Porque a morte é um problema crucial para o homem. Todos nós queremos acreditar que depois dela continuaremos a existir, seja na forma que for. Os médiuns que convencem as pessoas de sua capacidade de falar com os mortos validam as crenças de que de fato há vida após a morte. Também oferecem um alento em meio à tristeza da perda de uma pessoa amada. É confortante crer que o falecido está em um lugar acessível com a ajuda da mediunidade.

Veja – O fato de ajudar as pessoas a superar a dor da perda não valida essas práticas?
Shermer – Aqueles que exploram a dita mediunidade não estão ajudando ninguém. São oportunistas que se aproveitam da emoção de pessoas fragilizadas. A melhor forma de superar a morte é encará-la de cabeça erguida. A morte é uma parte da vida, e fingir que o morto pode falar em estúdios de TV ou salas escuras por intermédio de pessoas que cobram por seus serviços é um insulto à inteligência dos que estão vivos.

Veja – O senhor acha possível acreditar no sobrenatural e ao mesmo tempo estar a salvo de charlatães?
Shermer – O problema de acreditar em superstições é que a maioria das pessoas que crê em uma delas acredita também em todas as outras. As crendices estão fortemente relacionadas. Se você abandona a capacidade crítica de pensar cientificamente, pode acreditar em absolutamente tudo.

Veja – Mas há pessoas que acreditam em astrologia e também na teoria da evolução proposta por Charles Darwin.
Shermer – A maioria das pessoas tem um modo de raciocínio em que mantém as crenças de forma isolada. Seria como se o cérebro fosse composto de uma série de compartimentos a vácuo, com cada uma dessas coisas guardada de maneira a não se misturar.

Veja – O senhor acha que as pessoas que acreditam em coisas estranhas são propensas ao fanatismo religioso?
Shermer – Não acho que seja assim. As pessoas crédulas acreditam em muitas coisas, isso para não dizer que crêem em qualquer coisa. Para ser fanático é preciso uma crença fortíssima em uma única coisa.

Veja – O que o senhor diz a uma pessoa que acredita em vida após a morte quando ela lhe pergunta se isso é verdade?
Shermer – Nós temos a obrigação de falar a verdade em todas as ocasiões, a todas as pessoas, sejam elas adultos ou crianças. Não há nenhuma evidência de que exista de fato vida após a morte. A questão é falar isso de uma forma amigável e ponderada e mostrar que é possível levar a vida em plenitude. Elas irão entender que não há grandes problemas em ser cético.

Veja – O que levou o senhor a se envolver numa cruzada contra as crendices?
Shermer – É simples. Eu sou um homem que acredita na ciência. Meu sonho é ver nossa espécie sobreviver a nossas limitações e sair deste planeta, procurar outras estrelas parecidas com o Sol e partir para outras galáxias. O obscurantismo limita nossa capacidade de ousar e de superar nossas limitações. Sem a ciência não existe crescimento cultural ou material de uma sociedade.

Veja – O senhor tem algum tipo de crença religiosa?
Shermer – Eu me defino como um agnóstico, uma pessoa que acredita naquilo que pode ser comprovado. Citando o biólogo Thomas Huxley, parceiro de Darwin e pai do agnosticismo, sou daqueles que acreditam em Deus como um problema insolúvel.