sábado, 13 de novembro de 2010

"Um Pouco Mais de Azul: A Evolução Cósmica"


Nome do livro original:
"Patience dans l'azur : la evolution cosmique"

Autor:
Hubert Reeves

Edição em português:
Livraria Martins Fontes Editora; 258 páginas + figuras


Dados sobre o autor

O astrofísico Hubert Reeves nasceu em Montreal, Canadá. Atualmente reside na França onde é diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique. O Professsor Reeves ocupa este cargo desde 1965. Ele é especialista em astrofísica nuclear, tendo desenvolvido trabalhos sobre a origem dos elementos leves no nosso Universo, tais como o hélio, deutério e lítio. O professor Reeves escreveu vários livros de divulgação científica, entre eles "A Hora do Deslumbramento" e "Poeiras de Estrelas", ambos vendidos pela Livraria Martins Fontes. Hubert Reeves tem se destacado pela contínua preocupação com o meio ambiente do nosso planeta. Ele tem escrito sobre ecologia e participado de vários simpósios, conferências internacionais e programas de televisão para debater sobre o futuro do planeta Terra. Reeves é membro do "Le Conseil pour les Droits des Generations Futures" ("O Conselho pelos Direitos das Gerações Futuras") onde ocupa lugar de destaque.


"Um Pouco Mais de Azul"

Aqueles que gostam de ler sabem como é gostoso se surpreender com um bom livro. No entanto, eles também sabem a frustação sentida quando temos uma decepção. Infelizmente este é o sentimento em relação ao livro "Um Pouco Mais de Azul" escrito pelo astrofísico Hubert Reeves. Conhecendo-se a competência do autor a decepção é maior ainda. Reeves é um nome importante da astrofísica. Seus trabalhos revelam o conhecimento que ele possui e a seriedade de suas propostas são mostradas na sua vida cotidiana, na sua luta para que consigamos viver em um mundo melhor e mais responsável. No entanto, seu livro não faz juz à importância do seu nome na ciência. Aliás, isto não é prerrogativa de Reeves. Quantos grandes nomes da Física e Astronomia se aventuraram pelo campo da divulgação científica e não conseguiram o seu intento maior: fazer com que os leitores terminem a leitura do seu trabalho com a sensação de ter aprendido mais e esclarecido problemas anteriores?


O livro do Professsor Reeves é fraco por ser ambicioso e perder o rumo, isto tudo ao mesmo tempo. Reeves começa falando sobre cosmologia, passa para estrelas, vai para a biologia, fala sobre geofísica, volta para astronomia, tudo isto mesclado com hinduísmo e abomináveis analogias. Sua grande fraqueza está em duvidar da capacidade dos leitores em entender processos físicos, em querer trivializar o que já está mais do que conhecido. Os que escrevem divulgação científica teêm que entender que o seu público é selecionado. você não escreve um livro deste porte para um público qualquer. Isto é irreal. A conseqüência é um texto que parece ter sido escrito para pessoas sem qualquer escolaridade, que não sabem nem ao menos que a Terra é redonda!


O mais irritante no livro do Professor Reeves é a sua divagação. A impressão que fica é que ele foi montado a partir de um punhado de textos escritos separadamente e grampeados com a intenção de formar um conjunto. Não conseguiu. O texto é, em algumas partes, inteiramente anárquico. Passa-se de um assunto para outro, por exemplo, de cosmologia para cromossomas, de uma maneira inteiramente forçada que deixa o leitor perguntando: e daí?. Além disso, numa tentativa de trivializar partes do assunto, o Professor Reeves usa analogias completamente gratuitas, que em nada ajudam o leitor. No meio de um texto surge uma analogia com um deus hindu. Mesmo que você goste de religiões orientais a pergunta que fica é: e daí? A pior de todas é a analogia feita com o filme Bambi de Walt Disney. Ele diz:


"Uma seqüência do filme Bambi, de Walt Disney, mostra-nos o pequeno animal ao nascer. Ele se olha, espreguiça, dá alguns passos e descobre maravilhado seus músculos e seu corpo. Imaginemos então os nossos átomos recém-nascidos, ocupados em descobrir sua estrutura e o inventário de suas possibilidades. Alguns se parecem com o hélio. Esféricos, fecham-se sobre si mesmos, como uma tartaruga ou um porco-espinho amedrontado." (página 83)

Que Buda, Shiva e todos os deuses hindus nos protejam!

Outra analogia tenebrosa é feita quando o autor fala sobre os efeitos relativísticos das altas velocidades:



"Um homem passeia com o seu cão. Enquanto ele anda calmamente pelo caminho, o cão vai e vem, adianta-se cem metros à frente de seu dono, volta, vai cem metros para trás, sempre correndo. A longa cauda do cão agita-se rapidamente da direita para a esquerda. Enquanto o caminhante percorre um quilômetro, o cão percorre cinco e a cauda vinte e cinco. Chega a noite: o cão é mais novo do que o caminhante, e a cauda do cão é mais nova do que o cão...." (página 159)

Como é mesmo aquela oração bem antiga que nos protege de cães raivosos? Eu lembro que é dedicada a São Romão!


O livro é confuso. Tenta fazer uma ligação entre o macrocosmos, a Cosmologia, e o microcosmos, a Física dos átomos e moléculas, passando pela Biologia. Resultado: não é um livro bom nem de Astronomia nem de Biologia, só falando, com poucas exceçãoes, sobre o trivial nos dois assuntos. Além disso ele é muito repetitivo, sempre voltando ao mesmo assunto para explicar do mesmo modo. Como se fosse um longo discurso tumultuado, Reeves fala demais e, devido à falta de figuras, o texto é muito denso. Aliás, o livro possui 42 figuras colocadas no seu final, separadas do texto. Poderia não tê-las pois elas realmente ajudam muito pouco na compreensão dos assuntos ali tratados.

Por ser um livro escrito em 1980 e complementado em 1988 (só editado no Brasil em 1998) ele está desatualizado. Lembre-se que ele é anterior ao lançamento do Hubble Space Telescope e de diversos outros satélites que nos revelaram fenomenais descobertas.



Na sua tentativa de simplificar a ciência Reeves comete alguns pecados capitais, principalmente quando trata da Cosmologia. Vejamos alguns:


1) querendo usar uma linguagem "popular" Reeves escorrega ao falar da "fulgurante explosão" (página 2 e 10) ao se referir ao Big Bang, ou então ao dizer "O fluido-universo está em expansão como um bolo que cresce no forno" (página 9), uma analogia perigosa e ultrapassada felizmente descrita de modo muito melhor e cuidadoso na página 23.

2) na página 14 e 15 é citada a "nebulosa de Andrômeda" e, na página 15 ele escreve que as "nebulosas mais espetaculares, vistas a olho nu, são as duas Nuvens de Magalhães" ao se referir às galáxias do mesmo nome embora logo em seguida (página 15) ele redefina estes objetos como galáxias. Nem cabe aqui imaginar falta de conhecimento do autor, isto seria absurdo. Apenas o texto é mal escrito e confuso.

3) "Mais tarde, ao redor das estrelas em formação, estas poeiras se aglutinam e originam os planetas. Alguns deles possuem atmosferas e oceanos...". (página 55) Fica a pergunta de como o autor sabe que existem planetas com oceanos se até hoje só foram detectados planetas gasosos tipo Júpiter.

4) "Ao nascer, o universo está adormecido em relação à todas as forças da natureza" (página 63). Poderia alguém me dizer o que está regendo as leis cósmicas?

5) "O coração da estrela constitui um único núcleo gigantesco de nêutrons, mantido pela força da gravidade. Daí o seu nome; "estrela de nêutrons". Também as chamamos pulsares, pois se acendem e se apagam várias vezes por segundo". Temos aí duas informações equivocadas: nem as estrelas de nêutrons são formadas exclusivamente por nêutrons e nem os pulsares "se acendem e se apagam".

6) "Ligado pela gravidade, um planeta, em órbita circular, pode manter-se a uma distância em que a temperatura seja moderada". Corpos acelerados não são estáveis em órbitas circulares.

7)"apesar dos vários esforços não se conseguiu observar a detecção de prótons. ...Os físicos depositaram grande esperança nessa detecção" (página 48). Aqui está faltando alguma coisa pois o autor certamente está se referindo ao "decaimento do próton".

8) "Eles seriam pequenos planetas, como Fobos..". Além do erro de tradução (em vez de pequenos planetas deveria ser usado o termo "planetas menores"), há um equívoco em considerar Fobos, que é um satélite de Marte, como sendo um "planeta menor", nome geral que é dado aos asteróides".

Outros erros foram introduzidos pela tradução não sendo, portanto, responsabilidade do autor. Alguns deles são:


1) na página 22 cita-se "movimento isótropo" em vez de movimento isotrópico.

2) "[matéria e antimatéria] continuamente elas se anulavam em luz" (página 34) e "a partir da luz e da anulação em luz.." (página 35). O termo correto seria "aniquilação"

3) "neutrinos maciços" (página 45). Neutrinos com massa seria bem melhor.

4) "os átomos são constituidos por núcleos (prótons, nêutrons)", citado na página 48. Tradução errada pois ele está se referindo a nucleons (prótons e nêutrons)

5) em algumas páginas o nome das nebulosas aparecem traduzidos para o português, em outras não, o que pode levar o leitor a imaginar dois objetos diferentes. Exemplo: nebulosa do Trevo (página 135) e nebulosa Trifide (figura 36), que são o mesmo objeto. Aliás, é bastante comum não traduzirmos alguns nomes de objetos celestes. Um deles é o desta belíssima nebulosa, conhecida apenas como Trifide.

Outro problema é a utilização de uma terminologia não correta em vários pontos. Devemos lembrar que muitas vezes não se pode fazer uma tradução palavra por palavra quando tratamos com linguagem científica. Muitos termos possuem uma nova expressão em outras linguas, e para isso é necessária uma revisão técnica. Traduzir simplesmente as palavras muitas vezes danifica a informação que está sendo passada ao leitor, criando uma falsa linguagem científica não usada em lugar algum. Citemos alguns exemplos:


1) na página 16 usa-se o termo "Aglomerado Local". A terminologia usada em português é "Grupo Local".

2) "tanto nas galáxias ativas como nas galáxias preguiçosas" (página 33). Teria sido melhor falar em galáxias normais, embora este termo também não seja muito adequado.

3) "família eletrônica" (página 41) em vez de "família do elétron"

4) "a velocidade de libertação" (página 43). O termo usado em português é velocidade de escape.

5) "Sua duração total na "série principal" terá sido ..." (página 72) quando o termo usado pelos astrônomos é "seqüência principal"

etc, etc, etc........


Aproveita-se alguma coisa neste livro?

Sim. Por incrível que pareça, após tantas críticas, devemos dizer que o livro é bom no "Apêndice" que vai da página 201 à página 254. Nesta parte Reeves faz uma descrição um pouco mais técnica, mostrando tabelas e gráficos de evolução estelar que são bastante úteis. Ele não usa expressões matemáticas e a linguagem é bastante acessível, mesmo para quase-leigos. Vale a pena conferir.
Entrevista

"O Big Bang é um mal-entendido"
Hubert Reeves, astrofísico franco-canadense, fala sobre o Big Bang.
Hubert Reeves, um dos mais instigantes astrofísicos da atualidade, diz que a ciência não sabe como o Universo surgiu: “ Ela nem sabe se o Universo teve uma origem”. Para ele, a Grande Explosão é só uma metáfora sobre o estado de Cosmo há cerca de 15 bilhões de anos.



O lançamento de um telescópio espacial e a construção de um anel subterrâneo para o choque de partículas subatômicas têm mais em comum do que a vista alcança: astrônomos, de um lado, e físicos, de outro, todos querem à sua maneira enxergar o Universo como era há uns 15 bilhões de anos, quando surgiu de uma explosão cósmica. Surgiu? Explosão? De repente, o Big Bang, uma das idéias científicas mais elegantes do século XX, sucesso de público e de crítica, começa a ser duramente questionado. Nada prova que o Universo tenha surgido, dizem os novos céticos. E, se surgiu, nada prova que tenha sido de uma explosão.

Nesse fascinante debate, uma voz ocupa cada vez mais o centro das atenções. Trata-se do astrofísico franco-canadense Hubert Reeves, 67 anos, doutor em Física pela Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, ex-conselheiro científico da NASA e diretor de pesquisa do renomado Centro Nacional de Investigações Científicas (CNRS), em Paris. De aparência frágil, embora seu esporte preferido seja esquiar, e temperamento afável, embora não se recuse à polemica. Reeves cultiva uma barba bíblica e uma louvável atitude de humildade cientifica. Conhecido divulgador de obras de ciência, dedicou "a todas as pessoas maravilhadas com o mundo" um de seus livros editados no Brasil, Um pouco mais de azul (1986). O outro é A hora do deslumbramento (1988). Nesta entrevista a Dominique Simonnet, da revista francesa L'Express, que SUPERINTERESSANTE publica com exclusividade para o Brasil, ele explica por que o Big Bang, a seu ver, virou -uma nova mitologia".





Hoje em dia, não é só aos homens de fé, mas, sobretudo aos homens de ciência, que se pergunta a respeito das grandes questões existenciais. Principalmente àqueles, como o senhor, que buscam encontrar nossas origens nas estrelas. Será que a Astrofísica quer se impor como uma nova metafísica?

Nem seria preciso. Se desde alguns anos os astrofísicos tornaram-se freqüentemente ouvidos sobre questões religiosas, se tanto as pessoas se perguntam qual o lugar do homem no Universo, talvez seja simplesmente porque tomamos consciência da nossa fragilidade e da do nosso planeta. Mas não se deve esquecer que ciência e religião percorrem campos muito diferentes: a primeira se pergunta como o mundo é feito: a segunda, como viver nossa vida de homens. Elas podem se esclarecer mutuamente, mas desde que cada uma permaneça em seu território. De rosto, sempre que a Igreja tentou impor sua explicação do mundo resultou um conflito. Lembrando-nos de Galileu e de Darwin





Não obstante, a religião católica parece aceitar bem atualmente as proposições da Astrofísica, a famosa teoria do Big Bang, por exemplo.

Sim. Talvez porque se fez do Big Bang uma nova mitologia, identificando-o à criação bíblica do mundo, o Fiat Lux (Faça-se a luz)






Mas como não fazer a aproximação? No princípio era o Big Bang, uma formidável explosão de luz, a 15 bilhões de anos, dando origem no Universo. Não é o que dizem os astrofísicos?

Não. Não podemos afirmar que o Big Bang seja a origem do Universo.




Mas é o que os senhores vêm repetindo há anos.

Eu sei. Provavelmente nós nos exprimimos mal e fomos também mal compreendidos. Hoje a ciência de modo algum pode afirmar que conhece a origem do Universo. Ela nem sequer sabe se o Universo teve uma origem. Falar de um começo implica obrigatoriamente a idéia de que antes desse acontecimento não havia nada. Ora, isso não sabemos.





Se assim é, se o Big Bang não é a Origem, o que quer dizer afinal essa expressão?

Ela designa o estado em que se encontrava o Universo há 15 bilhões de anos, eis tudo. Ou seja, a época mais longínqua que nossos meios atuais permitem alcançar. Somos como exploradores diante de um oceano: não sabemos se existe algo além do horizonte. Com efeito, o Big Bang não representa os limites do mundo, mas unicamente os limites dos nossos conhecimentos. Tudo o que sabemos é que há 15 bilhões de anos o Universo era muito diferente do atual: era extremamente quente — bilhões cie graus —, muito denso e desorganizado. Evidentemente, nada de vida, nada de estrelas, nada de galáxias. Nada de moléculas, nada de átomos, nada mesmo de núcleos atômicos. Apenas uma sopa gigantesca, um purê de partículas elementares: elétrons, fótons (ou seja, pequenos grãos de luz) e também quarks e neutrinos, os futuros constituintes dos átomos. Numa palavra, o caos.





Como se sabe disso?

Graças às descobertas da Física e da Cosmologia. Um primeiro grande princípio foi enunciado por Galileu. Antes dele, acreditava-se que existiam dois mundos: o nosso, cambiante e perecível: e o outro mundo, situado além da -Lua, imutável e eterno. -Não obstante, a Lua tem montanhas como a Terra'', constatou Galileu. O que sugere que ambas são astros que fazem parte de um mundo único e que este é regido pelas mesmas leis. É uma descoberta fundamental aquela que Newton enunciará por sua vez: as leis da Física se aplicam tanto à Terra quanto ao Universo inteiro. Graças a esse principio, desde o século XVIII foi possível, por exemplo, estudar o espectro atômico das estrelas e hoje simular as forças do Universo nos grandes aceleradores de partículas. Agora, existem provas de que as constantes universais, como a velocidade da luz ou a massa de um elétron, não variam há bilhões de anos.





Que provas são essas?


Ao contrario dos historiadores que jamais poderão contemplar Roma Antiga, os astrofísicos podem verdadeiramente ver o passado. Na escala do Universo, a luz não viaja tão depressa assim. Um telescópio é uma maquina de voltar atrás no tempo: permite observar astros muito longínquos como os quasares, cuja luz levou 12 bilhões de anos para nos alcançar, astros que não existem mais hoje.





Quer dizer que os astros que vemos essas miríades de estrelas, todas essas galáxias não passam de uma ilusão, uma imagem do passado?

Mas, tudo o que vemos é assim. Não se vê jamais o presente. Quando eu olho, para você, eu a vejo no estado em que estava há um centésimo de microssegundo, o tempo que a luz levou para chegar até mim. Um centésimo de microssegundo é muito tempo na escala atômica. Felizmente, os seres humanos não desaparecem nesse lapso de tempo e eu posso formular sem risco a hipótese de que você está sempre aí. O mesmo vale para o Sol: durante os oito minutos que sua luz leva para chegar à Terra, ele não muda fundamentalmente. Mas, para os astros distantes, é diferente. Quando se fixa um quasar, se recebe uma luz velha, emitida há 12 bilhões de anos. Ora, sabemos que a luz - outra importante descoberta da Física - é na verdade um fluxo de minúsculas partículas a que chamamos fótons. No nosso olho, ou na objetiva do telescópio, recebemos, portanto fótons muito velhos, que viajaram durante 12 bilhões de anos. Em laboratório podemos perfeitamente estudá-los e analisar, por exemplo, sua freqüência ou sua energia. Além disso, sabemos fabricar simplesmente um novo fóton, ao criar um lampejo de luz. Comparando as duas partículas, a muito velha e a nova em folha, encontramos as mesmas constantes físicas. As leis não mudaram passados bilhões de anos.




Ainda assim, o Universo mudou.

Sim, é de resto a grande descoberta do nosso século: o Universo evolui, tem uma historia, não é nem imóvel nem eterno, assim como Galileu, Newton e mesmo Einstein o pensaram.
Dispõe-se até de provas visíveis: a escuridão do céu por exemplo.




Por que isso seria uma prova da evolução do Universo?

Se o Universo fosse eterno, as estrelas teriam emitido luz desde sempre e o céu estaria repleto de claridade. Se é negro, é porque as estrelas nem sempre existiram. E porque, de resto, o espaço entre elas aumenta sem cessar. Disso estamos hoje convencidos: o Universo está em expansão. Foi um astrônomo americano, Edwin Hubble, chie por volta de 1930 constatou que as galáxias se distanciavam umas das outras, tanto mais rapidamente quanto is distantes fossem. Algo como um pudim de passas que se leva ao forno: á medida que ele cresce as passas se distanciam umas das outras. Esse movimento conjunto foi confirmado depois por numerosas experiências e hoje se admite que o Universo infla e esfria há cerca de 15 bilhões de anos.





Por que se chegou a 15 bilhões?

Basta passar o filme ao contrário. Quanto mais se volta atrás no tempo, mais as galáxias se aproximam: o Universo é cada vez mais denso, logo cada vez mais quente e cada vez mais luminoso. Chega-se assim a 15 bilhões de anos. Nesse instante a densidade da matéria é infinita, assim como a temperatura do Universo. Tudo isso está confirmado por fósseis descobertos recentemente.





Fósseis?

Fósseis cosmológicos são, com efeito, os dados de observação que permitem reconstituir o passado. Algo como os pré-historiadores fazem com fragmentos de ossos. Assim descobrimos uma "radiação fóssil" que permitiu calcular que há 15 bilhões de anos o Universo tinha uma temperatura de pelo menos 3 mil graus. Outros elementos recentes, as medidas da relativa abundância de hidrogênio e de hélio, mostram que cerca de 1 milhão de anos antes o calor alcançava 10 bilhões de graus. E mesmo somente alguns minutos antes, vários bilhões de graus.





Eis então nosso Big Bang. Voltamos à idéia de um começo. Se retornamos no tempo, o seu Universo-pudim é apenas uma bola, com todas as passas agrupadas.

Não. Nossos modelos matemáticos sugerem que, nesse instante, mesmo que a matéria estivesse num estado de densidade muito grande, o Universo era já infinito. Ou, se você preferir, um purê de dimensões infinitas.





Nada de explosão inicial então?

Podemos reter a imagem da explosão se admitirmos que aquilo explodia em toda parte, em cada ponto do espaço.





Por que o nome Big Bang?

Foi por desprezo que um pesquisador, Fred Hoyle, assim designou, ridicularizando essa teoria de que ele não gostava. Hoje é aceita por todos os cientistas, mas o Big Bang para nós é apenas uma metáfora, pois, em relação àquele momento, nossas noções tradicionais de tempo e espaço não fazem mais sentido.






Por quê?

Porque, nessas altíssimas temperaturas, nossas teorias não se aplicam mais. Toda a Física afunda. Atualmente dispomos de duas grandes teorias: a Física Quântica, que explica muito bem o funcionamento dos átomos e de suas interações, desde que estes não sejam expostos a uma forte gravidade: e a Teoria da Relatividade, que descreve bem o comportamento da matéria sob forte gravidade desde que não se a considere como um conjunto de átomos. Portanto, nenhuma se permite estudar as partículas submetidas a uma forte gravidade, como, foi o caso há 15 bilhões de anos. E o problema fundamental da Cosmologia contemporânea: não conseguimos conciliar essas duas teorias. Muitos pesquisadores, entre os quais Stephen Hawking, trabalham nessa direção. Eles inventam modelos físicos muito complexos, como a "supersimetria", as "supercordas", a "supergravidadc" ou ainda os "miniuniversos". Mas até o presente com pouco sucesso.





Nem se pode dizer se houve ou não um “antes”?

Justamente, não. No passado, quando alguém perguntava o que fazia Deus antes de criar o mundo, havia o costume de responder: “Ele preparava o inferno para os que fizessem essa pergunta”. Santo Agostinho, de seu lado, respondeu: "Perguntar isso supor que o tempo existisse antes da criação do mundos, Ora, também o tempo foi criado”. Hoje em dia os astrofísicos estão um pouco na mesma situação.
Nas condições do Big Bang já não podemos aplicar nossas teorias, o espaço-tempo não é mais definido, não sabemos mais o que significa a palavra “antes”. Eis por que a questão da origem nos deixa, a nós, astrofísicos, mudos e desamparados.





De onde pode vir a solução? Da teoria ou da observação do céu?

Das duas. É necessário que encontremos uma teoria mais global do Universo. Mas estou pronto a apostar que a observação e a descoberta a precederão. Os seres humanos, com efeito, não tem muita imaginação. Poderemos talvez progredir graças ao telescópio espacial, por exemplo, que nos permitirá enxergar mais longe, sem sermos atrapalhados pelo véu da atmosfera terrestre, portanto voltar atrás bastante no tempo durante o milhão de anos que se seguiu ao Big Bang.






E talvez até a este?

Não o “veremos” realmente, pois, quanto mais nos aproximamos, mais o Universo fica opaco, velado pela luz emitida durante o milhão de anos seguinte. Mas, com outros instrumentos, como o telescópio de neutrinos, ainda num futuro longínquo, poderíamos obter uma espécie de radioscopia do Universo, o equivalente ao que se vê do corpo ao observar as imagens de raios X ou dos scanners. Por volta do ano 2000, o telescópio de gravitons, uma espécie de sismógrafo do espaço, permitirá receber não a luz dos astros como um telescópio clássico, mas suas ondas gravitacionais.






Já se conhece bem, agora, o enredo que se desenrolou depois do Big Bang?

Sim, algumas etapas. Ao esfriar, o Universo vai se estruturar conforme o jogo das quatro forças fundamentais que se diferenciaram pouco após o Big Bang: a gravidade (que nos mantém no chão e governa os astros), a força eletromagnética (que une os átomos, por exemplo, o oxigênio e o hidrogênio na molécula de água), a força nuclear forte (que sol- da os núcleos dos átomos) e a força fraca (que governa os neutrinos). Alguns milionésimos de segundos após o Big Bang, as partículas de matéria, os quarks, começam a se organizar em prótons e nêutrons. Estes, por sua vez, vão formar os primeiros núcleos dos átomos simples, como o do hélio. Este último é muito estável – até demais, pois vai frear essa evolução durante um milhão de anos, tempo em que o Universo continua a esfriar e se presta a novas combinações.





Portanto, a evolução não continuou?

Não, Houve soluços, períodos de aceleração. E fases parecidas com as da água, que , ao esfriar, passa do estado de vapor ao de liquido, depois ao de gelo. O Universo passou inicialmente do estado de radiação ao de matéria. Desde então, a gravidade começa a agir: a sopa de partículas forma coágulos, a matéria se concentra em grandes massas: as galáxias, depois as estrelas. Estas vão servir de cadinho aos prótons e aos nêutrons que ai se instalam em núcleos de átomos. Alguns milhões de anos mais tarde, certas estrelas, por falta de combustível, sucumbem e morrem, expulsando sua matéria. Dessa vez, graças à força eletromagnética, os núcleos ejetados se associam enfim em átomos e em moléculas: o hidrogênio, o oxigênio, o gás carbônico e também grãos de poeira, os primeiros sólidos, que irão se agregar para formar os planetas. O nosso nasceu há 5 bilhões de anos. No oceano primitivo, as moléculas cada vez mais complexas se combinam de modo a formar as primeiras células, os primeiros seres vivos. A evolução biológica segue se curso, o homem aparece... Pode-se dizer que os bilhões de bilhões de partículas que constituem os átomos do nosso corpo já existiam há 15 bilhões de anos. A diferença é que hoje elas não estão mais no caos, mas agrupadas na estruturas extremamente complexas que permitem o pensamento.





Quer dizer que a história do Universo é a história da complexidade?

Ela pode ser lida como tal. O Universo sempre evolui d simples para o complexo. Mas atenção: isso só diz respeito a uma porção muito pequena do espaço. A maior parte está ainda muito desorganizada. As nuvens de gás que existem entre as estrelas se parecem com aquilo que eram no momento do Big Bang. Podemos observar uma espécie de pirâmide da evolução cósmica. Quanto mais organizada e complexas as estruturas, menos elas são numerosas. É de certo modo como na Terra: os grandes predadores são menos numerosos que suas presas.






Em suma, o senhor estendeu ao Universo inteiro a idéia darwiniana da evolução e fala como se o Universo tivesse obedecido a uma espécie de lógica. Diria o senhor que o apartamento dos planetas e da vida era inevitável?

Eu tenderia a dizer que sim. Mas é uma opinião pessoal, da qual alguns dos meus colegas não partilham. As leis físicas são ajustadas para produzir a complexidade. Assim, de duas uma: ou elas mesmas decorrem de um principio mais geral, de uma espécie de teoria última do Universo o crente dirá que um ser supremo as fez férteis ou, como dirá ateu, elas decorrem do acaso. Mas nesse ponto se sai da ciência. O que parece assentado é que a complexidade estava inscrita desde o Big Bang. Todavia ela só pôde se expandir em razão do desequilíbrio do Universo.






Como assim?

Se o Universo tivesse esfriado muito lentamente, a matéria teria alcançado depressa um equilíbrio, ela se teria condensado em ferro, o elemento mais estável, e não teria evoluído. Não se conhecem elementos complexos construídos somente a partir de átomos de ferro. Felizmente, graças a seu esfriamento rápido, o Universo pôde produzir em quantidades importantes os outros átomos, corno o carbono, que se presta a muitíssimas combinações, até formar a extrema complexidade do cérebro humano, estrutura distante da estabilidade. De certo modo o equilíbrio é a morte. Um cadáver, por sinal, assume esse estado: as moléculas das quais é formado se desintegram em moléculas rnais simples.






Será que o Universo vai recuperar um dia um equilíbrio, será que ele também morrerá ou vai inchar e esfriar indefinidamente?

Pensa-se que ele continua a esfriar, mas cada vez menos depressa. Nosso Sol vai morrer em 5 bilhões de anos, depois de ter gasto seu combustível. Em mil bilhões de anos todas as estrelas do Universo estarão consumidas e se pensa que não haverá novos astros em formação. Restarão os buracos negros, que requerem mais tempo para se evaporar. E depois? Não se sabe. Mas é muito possível que não tenhamos arrolado todas as forças da natureza, que exista uma quinta, uma sexta força... No começo do século, só se conheciam duas. Ora, toda nova força é suscetível de prolongar a vida do Universo. De acordo corn outro enredo, a temperatura do Universo tornará a subir nesse caso seria necessário retomar filme de trás para diante. Num certo momento teria havido tanta luz que o céu se tornaria branco. A Terra se vaporizaria, a matéria se dissociaria. Nada de vida, nada de organização. As partículas dissociadas recuperariam um estado de equilíbrio. Mas esse enredo é pouco compatível com as observações e não se crê muito nele.





Será que aparecimento do homem modifica essa longa marcha da complexidade?

O homem já intervém na evolução, inventa inteligência artificial. Os cérebros humanos continuam a produzir complexidade. Nós apenas damos continuidade à tarefa da natureza.





Pondo-a em perigo.

Sim. Se nos damos conta de tudo que foi necessário para se chegar aonde estamos, à primeira margarida e a esses seres que agora podem tomar consciência do Universo e discutir suas origens, isso deveria incitar-nos a uma avaliação do nosso comportamento presente.





“O Universo começou sem o homem e terminará sem ele”, disse o antropólogo Lévi-Strauss. O senhor está de acordo com ele?

O homem, talvez, mas não necessariamente a inteligência. Se o ser humano desaparecer, poderia haver outras espécies inteligentes que talvez alcançassem níveis de complexidade ainda mais elevados. Todo o Universo é construído de maneira homogênea. Para onde quer que se olhe se percebe que as primeiras etapas da complexidade já foram superadas: existem estrelas e galáxias que se parecem bastante às nossas e se pode postular ali a própria presença de carbono. Se uma molécula possui mais de quatro átomos, existe carbono! Pode-se assim supor que as etapas seguintes da complexidade tenham sido franqueadas em outros planetas. A inteligência e a consciência me parecem produtos mais ou menos inevitáveis da história do Universo. Penso que elas prosseguirão na sua evolução. Com ou sem nós.





“Os astrofísicos são comparáveis a exploradores diante do oceano: não sabem se há algo além do horizonte”



“ A grande descoberta do nosso século é a de que o Universo tem uma historia: não é imóvel nem eterno, mais evolui”



“Se o Cosmo fosse eterno, a luz das estrelas existiria desde sempre e o céu estaria cheio de claridade”



“Esfriando depressa, o Universo criou os átomos que formariam a extrema complexidade do cérebro humano”

sábado, 6 de novembro de 2010

Dupla americana produziu duas moléculas capazes de se auto-replicar.
Ambas são feitas de RNA, substância que é tida como primo pobre do DNA.

Recriar a origem da vida em laboratório é um dos maiores desafios da ciência. Mais do que a complexidade dos processos envolvidos, o que conta é a falta de tempo: os cientistas não dispõem de vários milhares ou até milhões de anos na bancada para esperar tudo acontecer diante de seus olhos. Por conta disso, o processo todo precisa ser recriado aos pedaços. E o que pode ser o mais importante deles acaba de ser produzido por uma dupla de cientistas americanos.

Tracey Lincoln e Gerald Joyce, do Instituto de Pesquisa Scripps, em La Jolla, na Califórnia, conseguiram ensaiar os primeiros passos do que os cientistas chamam de "mundo de RNA". Traduzindo do cientifiquês para o português, eles produziram moléculas extremamente simples que são capazes de se replicar e carregar um código genético rudimentar. Seus sucessos foram reportados on-line pelo periódico científico americano "Science".

O problema do surgimento da vida é um dos mais intratáveis, do ponto de vista científico. Além da já referida falta de tempo hábil dos cientistas para conduzir os experimentos, há também um dilema adicional: as criaturas atuais fazem emergir a velha dúvida, "quem surgiu primeiro, o ovo ou a galinha?", em versão biomolecular.

Eis a questão: todos os seres vivos conhecidos hoje têm, de um lado, uma molécula específica para guardar suas informações genéticas -- trata-se do famoso DNA, uma espécie de "manual de instruções" para a construção e o metabolismo de um indivíduo vivo. De outro lado, as estruturas e ocorrências que se dão no interior desse indivíduo são propiciadas pelas proteínas, moléculas complexas em geral construídas a partir do código armazenado no DNA.

Ocorre que é improvável que essas duas coisas tenham surgido individualmente ao mesmo tempo e então se reunido para formar a primeira criatura viva. Alguma estratégia, mais simples, deve ter sido precursora do atual "formato" da vida na Terra.

Entra em cena o mundo de RNA

Há uma molécula que, hoje em dia, serve para funções "subalternas" nas células. É o RNA, uma espécie de primo pobre do DNA, posto que é mais instável. Atualmente, ele serve, por exemplo, para transportar a informação contida no DNA, localizado no núcleo da célula, até as fábricas de proteínas, posicionadas fora do núcleo.

Mas os cientistas observaram que, em dadas circunstâncias, o RNA pode fazer mais que ser leva-e-trás de informação genética. Às vezes, ele também pode agir diretamente no metabolismo, "atuando" de forma similar às proteínas. Voilà, pensaram os biólogos, cá está a estratégia mais simples para o início da vida: tudo teria começado com o RNA, trabalhando como um "faz-tudo".

É justamente este modelo que acaba de ganhar uma força imensa, direto da bancada de Lincoln e Joyce. A dupla criou duas pequenas moléculas de RNA que, em parceria, promovem sua própria replicação. E põe replicação nisso: "Essas enzimas de RNA de replicação cruzada passam por amplificação exponencial auto-sustentada na ausência de proteínas e outros materiasi biológicos", descrevem os cientistas em seu artigo na "Science". Eles apontam que a "população" de RNA auto-replicante dobra aproximadamente a cada uma hora -- e continua, indefinidamente, contanto que os recursos estejam disponíveis ao redor.

Evolução em andamento

Outra coisa que os cientistas americanos conseguiram observar foi a seleção natural, tal qual descrita por Charles Darwin, em franca operação.

Várias versões diferentes das moléculas de RNA auto-replicantes foram produzidas e colocadas no mesmo substrato. Após gerações e mais gerações de "reprodução", os cientistas notaram que algumas delas saíram "vencedoras" e dominaram completamente a disputa por recursos.

Com isso, ficou demonstrado também que, além do papel na replicação, as fitas de RNA também tinham papel como um sistema genético, que podia ser submetido à seleção natural.

Sem dúvida, é um passo importante para explicar como a vida pode ter surgido e se apoderado dos recursos da Terra, da forma como fez cerca de 4 bilhões de anos atrás. Mas é a solução do mistério?

Claro que não. De um lado, ainda fica o enigma de como essas fitas de RNA auto-replicantes poderiam ter aparecido, a partir da chamada "sopa primordial" de compostos orgânicos existentes na Terra primitiva.

Na outra ponta, ainda resta explicar como essas precursoras da vida em forma de RNA evoluíram para ganhar tantas estruturas e complexidade, como um sistema genético com DNA e proteínas altamente sofisticadas para "tocar" o metabolismo das células.