quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

PETER MOON - 06/10/2011 11h14 - Atualizado em 26/10/2011 21h30 TAMANHO DO TEXTO A- | A+
A Era Primordial
As cinco idades do universo - Parte 2
PETER MOON

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Peter Moon Repórter especial
de ÉPOCA vive No mundo da
Lua, um espaço onde dá
vazão ao seu fascínio por
aventura, cultura, ciência e
tecnologia.
petermoon@edglobo.com.br
“O Nobel de Física de 2011 foi um prêmio para aquela que é, literalmente, a maior descoberta já feita pela Física - a de que o universo não está apenas se expandindo (o que é sabido desde os anos 1920), mas que a razão da aceleração está aumentando. Alguma coisa, em outras palavras, está estilhaçando o universo”. É com esta frase que a revista Economist abre o seu comentário sobre o Nobel conferido aos físicos Saul Perlmutter (leia aqui minha entrevista com Perlmutter), Brian Schmidt e Adam Riess.
Em 1998, eles descobriram que a expansão do universo, detectada em 1929 pelo astrônomo americano Edwin Hubble, estava acelerando. A “coisa” que estaria estilhaçando o universo convencionou-se chamar energia escura. O adjetivo escura, como Perlmutter me confidenciou, é um eufemismo para substituir a palavra “desconhecida”, pois, decorridos 13 anos da descoberta, ninguém ainda tem a menor ideia do que seria esta quinta força fundamental da natureza. Ela age em sentido contrário à força da gravidade, afastando os corpos celestes, e nunca foi prevista em teoria alguma - até ter sido detectada.
A descoberta da expansão acelerada do universo foi a determinante para estabelecer o nosso conhecimento atual sobre como deve transcorrer o futuro do cosmo. Esta crônica de uma morte anunciada pode ser dividida em cinco idades, como descrevi em “As cinco idades do universo - O Big Bang”, a primeira parte desta crônica celeste. Minha fonte e inspiração é o livro “The five ages of the universe - Inside the Physics of eternity”, publicado em 1999 pelos físicos americanos Fred Adams e Greg Laughlin (Free Press, 252 páginas).

A primeira idade do universo
O universo teve um começo, mas não terá fim. Ele surgiu no Big Bang há 13,7 bilhões de anos - e seu futuro é infinito. Muita coisa aconteceu nestes 13,7 bilhões de anos e muito mais ocorrerá daqui até a eternidade. O curioso é constatar que, do ponto de vista da Física, nenhuma etapa foi mais dramática e rica em fenômenos, muitos explicáveis e outros (ainda) inexplicáveis, como os três primeiros minutos de vida do cosmo. A descrição detalhada e acessível ao leigo dos processos cataclísmicos ocorridos naqueles fatídicos 270 segundos primordiais está num clássico do Nobel Steven Weinberg, “Os Três Primeiros Minutos - uma Análise Moderna da Origem do Universo” (1977).
Os 379 mil anos que se seguiram até o universo deixar de ser opaco para se tornar transparente - este foi o momento da emissão da famosa radiação cósmica do fundo, o “eco” do Big Bang - foram igualmente impressionantes. Todos os 13,7 bilhões de anos que se seguiram são uma mera consequência da organização da matéria e da energia, ocorridas nos primeiros três minutos e nos 379 mil anos seguintes, a chamada Era Primordial.
Não me entendam mal. Não pretendo reduzir a importância da formação e evolução das galáxias, das estrelas, dos planetas e da vida. Tudo isto é produto da idade atual do universo, a Era Estelar. Galáxias, estrelas, planetas e vida são criações maravilhosas. Sem elas, não estaríamos aqui. Ainda assim, do ponto de vista físico, são uma simples consequência do estabelecimento da correlações entre as quatro forças fundamentais da natureza (que agora são cinco, somando a energia escura que ninguém explica) com a matéria e a energia.
A estas correlações damos o nome de leis da Física. No plano cósmico, os cosmologistas trabalham com dois monumentos teóricos para explicar como se processou a evolução do cosmo. Um deles é a Teoria da Relatividade de Albert Einstein. O outro é o Modelo Standard da Mecânica Quântica, um intrincado castelo teórico coletivo com contribuições fundamentais de gênios do século XX: Max Planck, Erwin Schrödinger, Niels Bohr, Werner Eisenberg, Max Born, Wolfgang Pauli, Paul Durac, Richard Feynman, Sheldon Glashow, Abdus Salam, Steven Weinberg e Murray Gell-Mann, todos eles agraciados com o Nobel. Se esqueci algum nome, leitor amigo, me perdoe. Minha memória é falha. :)

Os três primeiros minutos
A pergunta mais comum que fazemos quando lemos algo sobre o Big Bang e o nascimento do universo é: “O que havia antes?” ou então “De onde veio o universo?”. Estas duas questões fazem todo o sentido no nosso mundo tridimensional, que transcorre ao longo de uma quarta dimensão, o tempo. Como Einstein descobriu, a matéria e a energia são duas faces da mesma moeda, assim como o espaço-tempo é inseparável, pois só existe espaço porque existe tempo, e vice-versa. Ora, se o espaço e o tempo nasceram com o Big Bang, não faz sentido pensar num outro espaço externo ao cosmo ou num outro tempo anterior ao do universo. Os termos espaço e tempo só se aplicam ao nosso universo. Não quer dizer que não possam existir outros universos expandindo-se em outras dimensões? Mas estas são questões exotéricas para as quais não há comprovação alguma e, provavelmente, jamais haverá. Caso existam, os outros universos seriam por definição inacessíveis, por se expandirem noutras dimensões desconhecidas.
De qualquer modo, os físicos que defendem a chamada Teorias das Cordas acreditam que vivemos num universo com 11 dimensões (sendo o tempo uma delas). Nosso universo surgiu de um ponto infinitesimal, do tamanho do comprimento de Planck. O comprimento de Planck é 160 trilhões de trilhões de trilhões de vezes menor do que o metro, ou 0,000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.16 metro. É quase “infinitamente” pequeno, uma distância inconcebivelmente curta. Para os defensores da Teoria das Cordas é nesta dimensão que as tais “cordas” constituintes da matéria “vibrariam”, e da sua vibração ecoaria o mundo como o conhecemos. (leia a minha coluna “Qual é o tamanho do microcosmo?”).
O comprimento de Planck tem um significado importantíssimo. Naquela dimensão diminuta as equações que sustentam as teorias da relatividade e da mecânica quântica perdem o sentido. Ou seja, não existe ainda uma teoria capaz de explicar como a natureza funciona num espaço tão pequeno quanto o comprimento de Planck. Para qualquer espaço maior do que ele, ainda que diminuto, a mecânica quântica se aplica. E é das equações do modelo Standard da Mecânica Quântica que os físicos inferiram como nasceu o cosmo.

O universo-bebê
No início era o nada. Numa dimensão menor do que o comprimento de Planck estavam concentradas toda a matéria e a energia do universo. Num determinado instante, movido por flutuações de ordem desconhecida, o nada virou tudo. Num instante o cosmo tinha o tamanho do comprimento de Planck. No instante seguinte, decorrido um lapso de tempo incomensuravelmente curto e apenas comparável à pequenez do comprimento de Planck, o universo “inflacionou”, expandindo-se a velocidades superluminosas - bilhões de vezes mais rápidas que a luz - e cresceu um milhão de trilhão de trilhão de vezes, atingindo o tamanho do universo visível atual.
O universo inflacionário vai contra toda e qualquer lógica que rege o nosso cotidiano e o nosso senso comum. O conceito da inflação cósmica emergiu e faz sentido no coração de intrincadíssimas equações cosmológicas, e seus efeitos já foram observados e comprovados por satélites. Logo, a expansão inflacionária mais rápida que a luz de fato ocorreu. Ponto.
Imaginar que do nada surgiu tudo é complicado. Foi assim. Numa fração infinitesimal de tempo o universo assumiu seu tamanho atual. E o universo era vazio, sem matéria nem energia. Era constituído só de espaço, um espaço escuro, frio e vazio, num tempo infinitesimal.
O que se expandiu de forma inflacionária foi o espaço. A matéria e a energia que estavam concentradas sobre pressão e temperatura inimagináveis no ponto do Big Bang começaram a se expandir rapidamente, porém numa velocidade igual à da luz, no caso dos fótons de energia, e muito menor, no caso da matéria.
A rigor, nem podemos falar de matéria, porque no início só haviam quarks, as minúsculas partículas subatômicas que, em trios, viriam a se aglutinar para formar prótons e nêutrons.
No universo recém-nascido não havia prótons, nêutrons nem elétrons. Não havia moléculas nem nenhum elemento químico. A temperatura era incomensuravelmente maior do que aquela encontrada no coração das estrelas. Era tão quente que os quarks não conseguiam se conectar para formar prótons. Para isto se tornar possível, o cosmo precisaria continuar se expandindo e resfriando. Quando atingiu-se a temperatura adequada, de bilhões de graus, os quarks começaram a se conectar e a matéria como a conhecemos começou a existir.
Neste momento, o universo contava apenas alguns poucos bilionésimos de segundo.
A história continua na semana que vem.
NO MUNDO DA LUA - 01/09/2011 11h35 - Atualizado em 06/09/2011 11h57 TAMANHO DO TEXTO A- | A+
A evolução natural da vida é a morte
Essa frase é óbvia. Suas implicações nem tanto. Por que, afinal, a evolução fez a vida “inventar” a morte?
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A evolução natural da vida é a morte. Esta frase é óbvia. É um clichê. Será mesmo? “A evolução natural da vida é a morte” é uma frase concisa e perfeita. Intuitivamente ela é perfeita, pois sabemos que a morte é o definidor último da condição humana. No longo prazo estaremos todos mortos, não é mesmo? Filosoficamente, a frase é igualmente perfeita, pois sua lógica é de uma circularidade brilhante. A vida termina na morte, para da morte surgir a vida. Espiritualmente a frase também é perfeita, pois dá a esperança da vida eterna àqueles que não conseguem suportar a ideia que do pó viemos e ao pó retornaremos, literalmente. Resta definir o que seria este tal “pó”. É aqui que entra a sua beleza científica. Este é o sentido que mais me interessa. Por que, afinal, a evolução fez a vida “inventar” a morte? Esta questão não é desprovida de sentido. Pelo contrário, sua profundidade é tamanha que sua solução, no dia em que for encontrada, será capaz de responder a todas aquelas questões físicas e metafísicas.
Por que, afinal, a vida na Terra foi adaptada para morrer? Imagine as primeiras bactérias pululando no oceano primordial. Se elas surgiram nas fontes hidrotermais das profundezas abissais ou em alguma outra circunstância, isso não vem ao caso. O que interessa é o seguinte: uma vez que a evolução aperfeiçoou os processos físico-químicos que sustentam o metabolismo das bactérias, como a sua divisão, alimentação, movimento e reprodução, por que elas tinham que morrer? A morte é uma certeza para todas as formas de vida, mas não precisaria ser assim. Há mais de 3 bilhões de anos, naqueles oceanos primordiais fervilhando de vida, alguma bactéria poderia ter sofrido mutações em seus genes, mutações que lhe permitissem continuar reciclando indefinidamente os seus órgãos internos e externos.

O segredo da vida eterna


Um exemplo. Caso tal bactéria flutuasse muito próxima à superfície, poderia ser exposta à radiação ultra-violeta, ter o seu DNA danificado e morrer. Naquela época, dada a ausência de uma atmosfera rica em oxigênio - e por consequência a ausência de uma camada de ozônio capaz de barrar aquela radiação emitida pelo sol - os raios UV atravessavam a atmosfera esterilizando o ar e os continentes, sendo barrados apenas pela água do mar. Uma bactéria dotada de mutações capazes de proteger o seu material genético da ação devastadora dos raios UV teria uma enorme vantagem adaptativa sobre todas as outras trilhões de trilhões de trilhões bactérias flutuantes. Com o passar das eras, a linhagem iniciada por aquela bactéria poderia proliferar e tomar conta do meio ambiente, monopolizando o acesso às fontes de nutrientes e extinguindo todas as suas concorrentes.
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Imaginando um pouco mais longe, uma forma de vida resistente aos raios UV poderia somar esta característica a muitas outras mutações, como a reciclagem de moléculas danificadas da parede celular e dos seus órgãos internos, de modo a continuar sempre jovem - e viver indefinidamente. Seria a receita para a vida eterna. Em princípio, seria possível. Não há nenhuma lei biológica que obrigue a vida a desembocar na morte. Na prática, não foi o que aconteceu.
Até hoje, 4 bilhões de anos após a evolução da vida na Terra, não existe nenhuma célula de nenhuma forma de vida capaz de proteger o seu DNA da inalienável fragmentação - e morte - quando exposto diretamente aos raios ultra-violetas. E 4 bilhões de anos foi tempo mais do que suficiente para ter surgido tal mutação “anti-UV”, ou qualquer outra que levasse à reciclagem eterna da bactéria. Se não surgiu, ou surgiu e desapareceu, resta saber por que?
Da eternidade para o caos

A essência da vida está na transmissão dos genes para as gerações futuras. A transmissão pode acontecer através da divisão celular, como fazem as bactérias, ou graças ao sexo, como preferem as plantas, os fungos, os animais, o papai e a mamãe. A transmissão não é perfeita. No caso de um bebê, suas 3 bilhões de letras do código genético foram herdadas metade do pai e metade da mãe - descontadas as mutações.
Por mais aperfeiçoada que seja a união dos genes dos pais para a geração de um novo ser vivo, o processo é tão intrincado e envolve uma quantidade tão vasta de letras (ou moléculas) que está longe de ser perfeito. Cada criança nasce com 3 milhões de mutações que são dela e somente dela, e estão ausentes das 3 bilhões de letras do código genético de cada um dos pais. A quase totalidade das mutações é inofensiva, ou desativada. Algumas poucas podem ser benéficas. Outras, não. Esta possibilidade está na essência da lógica por trás do mecanismo da seleção natural. As mutações benéficas conferem mais chances de sobrevivência ao seu portador. As maléficas podem encurtar a sua trajetória de vida. É daí que surgem novas espécies, e outras se extinguem.
Cada ser humano é formado por 100 trilhões de células. O interior de cada uma delas guarda uma cópia completa do genoma ou DNA. Ou seja, as 3 milhões de mutações exclusivas de cada um de nós estão multiplicadas 100 trilhões de vezes. Estaria tudo em ordem não fosse o fato de que nem todas as células são bem comportadas, ou melhor, elas não se comportam sempre da forma como deveriam. Vez por outra, alguma delas se rebela contra a ordem estabelecida e começa a se multiplicar de forma insana e devastadora. É o câncer, uma doença que aflige todos os seres pluricelulares, sejam eles plantas, peixes ou mamíferos.
A biologia acorrentada

Em princípio não há nenhuma lei biológica que obrigue a vida a desembocar na morte. Mas, num universo físico, as leis da física se sobrepõem às da biologia. Uma importantíssima é a Segunda Lei da Termodinâmica. Ela trata de um princípio universal básico, a entropia. Há inúmeras definições para a entropia. A minha predileta reza que tudo o que é simples tende, invariavelmente, a se tornar complexo. A organização sempre dá lugar à desorganização. Da ordem nasce o caos. Há que se concordar que, no meio de 100 trilhões de células, cada uma com 3 milhões de mutações, a margem de chances para brotar o caos é exponencial. É praticamente incontornável.
Agora considere as trilhões de trilhões de trilhões de bactérias que infestam e infestavam os oceanos. Nesta sopa pululante e infecta, o caos tem ordens de magnitude de vantagem sobre a ordem perfeita das coisas para brotar e se proliferar, sabotando a vida eterna. A começar pelo fato de que, às bactérias, de nada interessa a eternidade. Elas evoluíram para se dividir, transmitindo seus genes, e morrer. Com os seres humanos é a mesma coisa. Na impossibilidade termodinâmica de conquistar a vida eterna, a segunda melhor alternativa foi a que escolhemos. Atingir a maturidade sexual, encontrar um companheiro ou companheira, ter filhos, criá-los, e viver até ver os netos nascerem, e ser agraciado com “a sensação da eternidade” que advém da “certeza de que plantamos nossa semente, ela vingou e começa a dar frutos”.
Esta frase eu ouvi em 1995 de meu pai, quando ele viu nascer minha filha Victoria, a sua primeira neta. Meu pai não é um intelectual nem um nerd como o filho. Mas é um sábio. Assim como a vida é sábia. A evolução fez a vida “inventar” a morte porque, entre a eternidade inatingível e a degeneração caótica, a melhor alternativa viável era a morte.
Tudo isso eu aprendi num livro espetacular, eleito pela Sociedade Real de Ciências britânica como o melhor livro de divulgação científica publicado em língua inglesa em 2010. Trata-se de “Life ascending - The ten great inventions of evolution” (Norton, US$ 26,95, 344 páginas), do bioquímico Nick Lane, do University College de Londres. É brilhante!
“Somos poeira de estrelas”
Todos os átomos do nosso corpo e do universo que nos cerca foram forjados há bilhões de anos, no coração de estrelas que explodiram
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“Somos poeira de estrelas”. A frase é do cosmologista Carl Sagan (1934-1996) e foi celebrizada na série “Cosmos”, de 1980. Sagan era um cientista brilhante e divulgador da ciência melhor ainda. Ele tinha o dom de sintetizar em frases inspiradas todo o sentido do maravilhoso que percebia na observação do universo. Assim, a Terra tornou-se aquele “pálido ponto azul” (pale blue dot) onde vivemos, um grão rochoso contaminado pela vida e orbitando uma estrela comum, como tantas bilhões de outras, num braço de uma galáxia em espiral chamada Via Láctea, que se confundia com as outras bilhões de galáxias do universo.
Ainda assim, e apesar do nosso pálido ponto azul ser um nada no oceano cósmico, seja na tevê seja em seus livros Sagan fazia a Terra reluzir como um brilhante precioso, por ser o berço da vida como a conhecemos, o berço da nossa espécie e a espaçonave que nos transporta em uma valsa celestial. Ao afirmar e reafirmar a preciosidade do nosso planeta, Sagan jamais usou este argumento para defender o indefensável, que a vida seria exclusiva da Terra. Ele, mais do que ninguém, defendeu a certeza estatística incontornável de que o universo está coalhado de vida e civilizações avançadas. Sagan usou a literatura para ilustrar essa certeza, no romance “Contato”, de 1985. “O universo é um lugar muito, muito grande”, diz Jody Foster no filme homônimo de 1997. “Se só existisse vida aqui na Terra, então o universo seria um enorme espaço desperdiçado.”
Mas não é. A prova é que estamos aqui, usando a imaginação para entender a natureza e sonhar com as possibilidades de vida em outros mundos. Outra prova está na universalidade das leis da física, que tanto determinam a formação de espirais de espuma quando se mexe com a colherinha numa xícara de café, quanto influem na dança das galáxias.

Os ingredientes da vida
Uma terceira prova de que o universo não é um enorme desperdício de espaço está na origem da matéria, a origem dos átomos aprisionados nas moléculas que constituem cada uma das 100 trilhões de células do corpo humano. Cada célula humana é constituída por uns 10 quadrilhões de átomos. E cada um destes foi forjado no coração de estrelas há muito extintas.
Não estou me referindo apenas aos átomos do seu e do meu corpo, mas também aos átomos de toda a humanidade, de todas as formas de vida, dos vírus à baleia-azul, assim como o ar que respiramos, o sapato que calçamos, o solo onde pisamos, a crosta terrestre que flutua sobre o manto de rocha liquefeita que forma a interior da Terra, os outros planetas do sistema solar, os bilhões de planetas das 100 bilhões de estrelas da Via Láctea, apenas uma entre as 400 bilhões de galáxias do universo visível... Todos estes átomos foram forjados no núcleo de estrelas que explodiram.
O oxigênio e o nitrogênio que respiramos; o carbono que é a base da vida; o cálcio de nossos ossos; o sódio, o fósforo, o magnésio, o iodo e o potássio essenciais ao organismo; o ferro e o alumínio das máquinas; o cobre dos fios elétricos e o silício dos computadores... Todos estes elementos químicos saíram da fornalha atômica de supernovas, estrelas gigantes que, ao esgotar seu combustível, explodiram, semeando na vastidão interestelar os ingredientes dos planetas e da vida.
A vida evoluiu na Terra há mais de 3 bilhões de anos. Já a matéria que constitui a vida é muito mais antiga. Os elementos químicos forjados nas supernovas tiveram que vagar por centenas de milhões de anos no espaço em nuvens de poeira. Eventualmente, a atração gravitacional em algum ponto de uma nuvem forçou o início de um processo de concentração, atraindo os átomos da nuvem e concentrando-os num local que viria a atingir densidade e temperatura incríveis. Quando, naquele ponto da nuvem, os átomos de hidrogênio se encontravam tão próximos uns dos outros a ponto de se fundir - e a temperatura se elevou aos 10 milhões de graus - dois átomos de hidrogênio se fundiram para formar outro, de hélio, liberando energia. Esta energia precipitou a fusão de outros átomos de hidrogênio, desencadeando uma reação nuclear em cadeia. Nascia o Sol.
Com os planetas a história foi diferente. As porções da nuvem que estavam afastadas o suficiente do Sol para não ser tragadas pela sua atração gravitacional acabaram por se condensar na forma de planetas. Ali os elementos químicos forjados há bilhões de anos no seio de supernovas puderam dar início à geologia e à vida.

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O cânone do violoncelo
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A forja elementar
O universo surgiu no Big Bang, a explosão primordial que lançou matéria e energia em todas as direções há 13,7 bilhões de anos. A temperatura infinita da explosão primordial foi suficiente para espalhar pelo universo só três elementos: o hidrogênio, o hélio e o lítio, os elementos mais leves, de números atômicos 1, 2 e 3, respectivamente, pois o átomo de hidrogênio possui apenas um próton solitário em seu núcleo, o hélio tem dois e o lítio, três.
Todos os demais elementos químicos, do elemento de número 4, o berílio, ao urânio de número 92, saíram das três gerações de supernovas que se sucederam desde o início dos tempos. Sua criação seguiu dois passos: a forja e a explosão.
O elemento mais abundante do universo é o hidrogênio. Ele é combustível nuclear das estrelas. Uma estrela pequena como o sol irá queimar o seu estoque de hidrogênio por 10 bilhões de anos (já se passaram 5 bilhões...) até o combustível esgotar e o Sol começar a se contrair e resfriar, tornando-se uma estrela anã-branca.
As estrelas cuja massa é, no mínimo, oito vezes maior que a do Sol têm uma vida mais curta e uma morte espetacular. O hidrogênio da estrela vai queimando e formando hélio. A fusão libera a cada instante uma energia equivalente a milhões de bombas atômicas explodindo simultaneamente. É esta energia incrível emitida do núcleo da estrela que impede que suas camadas externas dasabem em direção ao núcleo sob o efeito da força da gravidade. Assim, uma estrela pode ser definida como a luta incessante entre a fusão nuclear e a força da gravidade - um luta aonde a gravidade sempre vence.
No caso de estrelas muito grandes, a energia liberada no núcleo precisa ser maior para compensar a força gravitacional, que é também maior, dado o volume da estrela. A estrela começa queimando hidrogênio a 10 milhões de graus e produzindo hélio. A temperatura no núcleo vai aumentando até que o calor seja suficiente para começar a fundir átomos de hélio, criando lítio. O processo se repete como nos degraus de uma escada. Cada novo elemento precisa de temperaturas maiores para fundir e criar o elemento seguinte da tabela periódica. Assim chega a vez do elemento 6, o carbono, do oxigênio 8, do alumínio 13, do cálcio 20, e, por fim, do ferro 26. Neste ponto, a temperatura no interior da estrela é de 100 milhões de graus. Quando a estrela começa a produzir ferro, sua sorte está selada.

A explosão de vida
O fim da estrela chegou. Ao tentar fundir átomos de ferro para produzir o elemento seguinte, que seria o cobalto, a reação nuclear deixa de produzir energia suficiente para manter a coesão da estrela. É o momento em que a força da gravidade vence a luta, o instante em que a fusão nuclear acaba, e as camadas externas da estrela conseguem desabar livremente em direção ao núcleo. Como não há espaço para todo aquela matéria ocupar o mesmo lugar, a estrela explode em supernova.
As supernovas são as explosões mais cataclísmicas conhecidas dos astrônomos. No momento em que acontecem, alcançam temperaturas de vários bilhões de graus, suficiente para forjar todos os demais elementos naturais, do cobalto 27 ao urânio 92.
Quando a supernova ejeta ao espaço as suas camadas externas, ela está semeando o espaço interestelar com os elementos químicos que forjou. É a “poeira de estrelas” que Sagan tão bem descreveu de forma poética, a “poeira de estrelas” que um dia circulará em nosso sangue.

P.S.:
Os demais elementos, mais pesados que o urânio 92, não existem na natureza. Se foram criados no Big Bang ou em explosões de supernovas, desapareceram no instante seguinte. No caso do plutônio (o elemento 94), ele surge na forma de lixo das usinas nucleares.
Já os novos elementos de número 113 (ununtrium) e 118 (ununoctium), recém-descobertos em 2010, são artificiais, assim como todos os elementos mais pesados que o urânio, à exceção do plutônio. Eles foram detectados durante os seus poucos milionésimos de segundo de existência, no meio dos escombros das colisões de átomos no interior dos aceleradores de partículas. Estes elementos são absurdamente instáveis. Só existem por um instante, decaindo assim que são criados para formar outros elementos estáveis, aqueles que constituem a matéria do universo em que vivemos.
Qual é o tamanho do universo?
Construa comigo uma imagem mental das dimensões do cosmo
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Peter Moon Repórter especial
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Eu sempre adorei astronomia. Desde pequeno lembro-me de olhar fascinado uma coleção de livros da revista Life que meu pai comprou, com fotos de estrelas e galáxias. Era o início dos anos 1970, o homem já havia pisado na Lua, o universo era fascinante, inescrutável e em preto e branco. Foi só nos anos 1990, com as imagens captadas pelo telescópio espacial Hubble, que o universo foi pintado com cores deslumbrantes. Foi quando descobrimos que aquelas nebulosas distantes não eram nuvens de poeira acinzentada, mas que reluziam com todos os tons cores do espectro.
Ainda menino, fascinado com a beleza monocrômica das estrelas e galáxias, comecei a tentar conceber o que significariam as inconcebíveis distâncias cosmológicas envolvidas. Naquela época, li que a Via Láctea, a nossa galáxia, é uma espiral com 100 bilhões de estrelas e um diâmetro de 100 mil anos-luz. É impossível imaginar o que isto significa. Mas confesso que, aos 12 anos, tentei fazê-lo. Eu queria imaginar mentalmente o que significariam os 100 mil anos-luz do diâmetro da Via Láctea para, a partir deste cálculo, tentar imaginar o tamanho do universo.
Nos anos 1970, a teoria do Big Bang já estava bem consolidada. Ela reza que o universo surgiu de uma explosão primordial que lançou matéria e energia em todas as direções. Com o passar das eras, matéria e energia começaram a formar galáxias e estrelas. Nos anos 1970, a idade do universo ainda era incerta. Lembro que meus primeiros cálculos mentais foram feitos com base num universo surgido há 20 bilhões de anos – hoje sabemos com precisão que o Big Bang aconteceu há 13,7 bilhões de anos.
O universo é tão antigo e sua escala de tempo é tão deslocada da escala de tempo de uma vida humana, ou mesmo da civilização, que se torna incompreensível. Não é possível imaginar o que são 13,7 bilhões de anos. Mas é possível conceber analogias que nos aproximem - se não de uma resposta -, pelo menos de um significado, de uma imagem cerebral do universo. Foi o que aquele menino paulistano de 12 anos começou a fazer – e faz até hoje.
Vamos lá. O segredo deste exercício mental é esquecer a palavra tempo, e passar a imaginar o tempo como um sinônimo de espaço. Na verdade, o espaço e o tempo são duas faces da mesma moeda universal, assim como a matéria e a energia, como Albert Einstein nos ensinou. O espaço e o tempo nasceram com o Big Bang. Logo, não faz sentido tentar imaginar se existe algo “fora” ou “além” do universo, porque só existe espaço e tempo no universo. Se existem outros universos ou universos-bebês?, e se eles nascem do interior de buracos-negros para se expandir em dimensões desconhecidas?, estas são especulações teóricas do âmbito dos cosmólogos – e terreno fértil para quem busca respostas metafísicas para a origem de tudo. Não é o meu caso.
Como imaginar o tamanho da Via Láctea?
A unidade de distância cosmológica é a velocidade da luz, ou seja, 299.792,49 quilômetros por segundo, que se convencionou arredondar para 300 mil km/s. É muito. A nave espacial mais veloz construída pelo homem é a sonda americana Voyager I, lançada em 1977. Passados 34 anos, a Voyager I se encontra neste momento além da órbita de Plutão, na porta de saída do Sistema Solar. Sua velocidade é 17,46 km/s. Ou seja, a Voyager I cobriria os 446 km que separam São Paulo do Rio de Janeiro em 25 segundos. É muito rápida, mas uma lesma paralítica caso comparada à velocidade da luz. A velocidade da luz é mais de 17 mil vezes superior à da Voyager I.
Basta um segundo para a luz completar 7,5 voltas em torno da Terra, cuja circunferência é de 40 mil km. A distância média da Terra à Lua é de 384 mil km. A luz emitida pelo Sol que ilumina a superfície da Lua, e reflete em direção à Terra leva 1,28 segundos para, saindo da Lua, atingir a sua retina. Ou seja, a imagem que vemos da Lua é como ela era 1,28 segundos no passado.
O Sol encontra-se a 150 milhões de km da Terra. A luz leva 8 minutos e 18 segundos para cobrir essa distância. Se o Sol explodisse neste exato instante – fique tranquilo, isto jamais acontecerá – a imagem da explosão só seria visível daqui 8 minutos e 18 segundos – e seria a última coisa que qualquer um de nós assistiria, pois a Terra deixaria de existir.
É quando olhamos o céu noturno pontilhado de estrelas que as coisas começam a ficar realmente assombrosas. Quantas estrelas existem no céu? Elas são incontáveis, e ainda assim são um número ínfimo se comparado às estrelas da Via Láctea que são invisíveis ao olho nu. Pensando apenas nos pontinhos cintilantes que conseguimos distinguir no céu noturno, quão longe eles estão? Bem longe. De todas as estrelas no céu, a mais próxima do sistema solar é, como seu nome indica, Próxima Centauri, a 4,2 anos-luz de distância. A mesma luz que dá 7,5 voltas na Terra em um segundo precisa de 4,2 anos para cobrir a distância que separa Próxima Centauri do Sol. Daí se conclui que a luz de todas as estrelas que observamos à noite levou, NO MÍNIMO, 4,2 anos viajando pelo espaço interestelar até chegar à nossa retina.
Agora estamos começando a adentrar as dimensões cósmicas. Elas são incompreensíveis. Estão aquém e além das dimensões do microcosmo ao qual estamos acostumados. Aqui, a unidade básica é o ano-luz, a distância que a luz percorre em um ano, ou 9,46 trilhões de quilômetros. Este número é tão grande que, para todos os efeitos, não tem significado algum. Pode esquecê-lo. Nossa unidade é o ano-luz.
Sabemos que a Via Láctea é uma imensa galáxia em espiral que abriga 100 bilhões de estrelas e tem um diâmetro de 100 mil anos-luz. Ou seja, a luz emitida por uma estrela em uma extremidade leva 100 milênios para atingir a outra extremidade. Há 100 mil anos, nossa espécie, os Homo sapiens, ainda se encontrava confinada na África.
A galáxia gigante de Andrômeda, irmã gêmea da Via Láctea, é a galáxia em espiral mais próxima da nossa. Andrômeda está a 2,9 milhões de anos-luz de distância. Vale dizer que, ao usar-se um telescópio para observar Andrômeda, o que se vê é a luz que saiu dela para cobrir a vastidão intergaláctica há 2,9 milhões de anos, quando Lucy e os Australopithecus afarensis viviam tranquilos na África, sem sonhar que, de sua linhagem, evoluiriam primatas capazes de ir á Lua.
Como imaginar o tamanho do universo?
Foi este o cálculo mental que fiz pela primeira vez aos 12 anos. Agora que sabemos que a Via Láctea mede 100 mil anos-luz, esqueça tudo isto e considere os 100 mil anos-luz da nossa galáxia como se sendo apenas e tão somente um centímetro do metro de uma trena cósmica. Nesse caso, Andrômeda estaria a 29 cm de distância. Não parece tão longe quanto antes, parece?
Longe mesmo são os confins do universo. O universo surgiu há 13,7 bilhões de anos. O Big Bang foi uma explosão que lançou matéria e energia em todas as direções, logo as primeiras radiações emitidas estão há 13,7 bilhões de anos viajando em todas as direções. Se imaginarmos o universo como um balão de festa que vai enchendo na medida em que se sopra dentro dele, 13,7 bilhões de anos, ou 13,7 bilhões de anos-luz, é o raio do balão. Como o diâmetro é o dobro do raio, o diâmetro do universo deve estar em cerca de 27,4 bilhões de anos-luz.
Retome agora a nossa trena cósmica e vamos calcular o tamanho do cosmo. Se os 100 mil anos-luz da Via Láctea correspondem a um centímetro da trena cósmica, quanto seria 27,4 bilhões de anos-luz? A conta é fácil, embora cheia de zeros. Uso uma calculadora para chegar ao resultado. Obtenho a resposta. O diâmetro do universo é 274 mil vezes maior que o da Via Láctea. Convencionamos que o comprimento da nossa galáxia é um centímetro, certo? Então o diâmetro do universo é 2,74 km.
O universo pode ser imaginado como uma esfera em expansão com diâmetro atual de 2,74 km, sendo que cada centímetro equivale a uma Via Láctea. Esta esfera tem um volume de 10,77 km³. Em seu interior cabe todas as 400 bilhões de galáxias do universo visível, cada qual com uma média de 100 bilhões de estrelas, cada uma com seus incontáveis planetas.
“O universo é um lugar muito, muito grande”, lê-se no romance “Contato” (1985), de Carl Sagan. “Se só existisse vida aqui na Terra, então o universo seria um enorme desperdício de espaço.” Não consigo imaginar afirmação mais verdadeira.
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Peter Moon Repórter especial
de ÉPOCA vive No mundo da
Lua, um espaço onde dá
vazão ao seu fascínio por
aventura, cultura, ciência e
tecnologia.
petermoon@edglobo.com.br
Na coluna Qual é o tamanho do universo?, convidei os leitores a construir uma imagem mental das dimensões do cosmo. Aqui faremos uma trajetória no sentido inverso. O destino é o coração da matéria. Trata-se de uma travessia muito mais distante. Não, não me enganei. É isso mesmo. O caminho até o coração da matéria é muito mais longo do que aquele que leva às fronteiras do cosmo.
O universo é incompreensivelmente colossal. Embora as dimensões do nosso dia-a-dia percam qualquer significado quando comparadas às vastidões intergalácticas, ainda assim as dimensões do cotidiano são enganosas. Isto porque, proporcionalmente, o diminuto no coração da matéria é algumas ordens de grandeza mais vasto do que a distância que nos separa dos limites do universo. “Há muito espaço lá em baixo” (“There`s plenty of room at the bottom”), afirmou, em 1959, o físico americano e ganhador do Nobel, Richard Feynman. Ele fazia menção à vastidão de espaços vazios que se esconde no interior da matéria. É esta vastidão oculta que me disponho a explorar.
Aqui vale o ditado: uma imagem vale mais do que mil palavras. Imagine uma trena de um metro de comprimento. Este metro é um cisco se comparado ao tamanho do universo visível. Na ponta do lápis, um metro é um comprimento 13 bilhões de trilhões de trilhões de vezes menor que o raio do universo atual, ou seja, os 13,7 bilhões de anos-luz decorridos desde o início dos tempos, no Big Bang.
Agora, o sentido inverso. Se a maior estrutura que existe é o universo, a menor é o comprimento de Planck. É a menor unidade de comprimento da Física. Seu nome é uma homenagem ao fundador da Mecânica Quântica, o físico alemão Max Planck (1858-1947). O comprimento de Planck desempenha uma função importante na física moderna, pois para comprimentos inferiores a este, tanto a Mecânica Quântica quanto a Relatividade Geral, as duas teorias basilares da Física moderna, perdem o sentido, deixando de poder descrever os comportamentos de partículas.
Se as leis da física “perdem o sentido” em qualquer comprimento menor do que o comprimento de Planck, então o comprimento de Planck deve ser o menor comprimento do universo. Ele seria uma barreira intransponível, assim como a velocidade da luz é a velocidade limite do universo, e nada pode ser mais veloz.
O comprimento de Planck era o tamanho do universo no instante do Big Bang. O comprimento de Planck era praticamente igual a nada, salvo um cisco infinitesimal. Foi daquele cisco infinitesimal, trilhões de vezes menor do que um átomo de hidrogênio, que surgiu o universo. Num instante, não havia nada. No outro, do nada surgiu o tudo.
Qual seria o tamanho daquele quase “nada”, daquele cisco infinitesimal que os físicos convencionaram chamar de comprimento de Planck? É muito, muito, muito pequeno. O comprimento de Planck é 160 trilhões de trilhões de trilhões de vezes menor do que o metro, ou um número com 35 casas decimais depois da vírgula.
Do macrocosmo ao microcosmo

Agora retomemos a comparação do metro com o universo. O metro é 13 bilhões de trilhões de trilhões de vezes menor que o universo atual. Este mesmo metro também é 160 trilhões de trilhões de trilhões de vezes maior do que o comprimento de Planck. Basta um cálculo de divisão para se descobrir o seguinte: se, por um instante, considerássemos o comprimento de Planck como sendo igual a um metro, e multiplicássemos este metro 160 trilhões de trilhões de trilhões de vezes, teríamos uma distância equivalente a cerca de 12.300 universos. O resultado seria 12.300 vezes maior que os 13,7 bilhões de anos-luz que nos separam do Big Bang. Por consequência, a distância que nos separa do limiar do universo é proporcionalmente 12.300 vezes menor do que a distância que nos separa dos limiar da matéria.
Neste momento você talvez esteja um pouco confuso. Confesso que eu também. Nossa mente não evoluiu para trabalhar com escalas e dimensões de tamanha grandeza, sejam elas quase infinitas ou quase infinitesimais, macrocósmicas ou microcósmicas. O que tentei demonstrar acima é que o trajeto de uma viagem fantástica ao coração da matéria é 12.300 vezes mais longo – em termos tridimensionais - do que uma viagem cósmica aos confins do universo. Vamos embarcar nesta miniaturização?

Rumo à intimidade da matéria

1 - O METRO
Comprimento: 1 metro
Tudo começa com o metro, usado para medir as dimensões do dia-a-dia do Homo sapiens. O metro é o ponto de partida de um passeio que terá várias paradas. Cada uma delas ocorrerá em um espaço tridimensional 1.000 vezes menor do que o anterior.
2 - O SAL
Comprimento: 1 milímetro (mm) = 0,001 metro
Assim, do metro descemos ao seu milésimo, o milímetro. O diâmetro de um grão de sal é 0,5 mm. Não há desconforto em tentar visualizar esta dimensão, pois ela faz parte do nosso cotidiano, assim como fios de cabelo e cabeças de alfinete.
3 - A CÉLULA
Comprimento: 1 micrômetro (µm) = 0,000.001 metro
Do milímetro vamos ao milionésimo do metro, que se chama micrômetro ou mícron. A microtecnologia é assim chamada porque opera na escala micrométrica. O micro é a unidade de comprimento básica da biologia. O diâmetro de uma célula de sangue é 7 µm. Este é um domínio invisível ao olho humano, que só pôde ser perscrutado a partir da invenção do microscópio, no século XVII.
4 – MOLÉCULAS E VÍRUS
Comprimento: 1 nanômetro (nm) = 0,000.000.001 metro
Encolhendo-se outras três ordens de grandeza chega-se ao nanômetro, a bilionésima parte do metro. A nanotecnologia tem este nome porque suas técnicas operam (ou um dia operarão) na escala dos nanômetros. O nanômetro é a unidade de comprimento de moléculas grandes, como o DNA, e dos vírus. O diâmetro do vírus da Aids é 90 nm. O domínio nanométrico só pôde começar a ser visualizado a partir dos anos 1930, com os primeiros microscópios eletrônicos.
5 – O ÁTOMO
Comprimento: 1 picômetro (pm) = 0,000.000.000.001 metro
A próxima parada desta miniaturização é o picômetro, a trilionésima parte do metro. Uma molécula de água mede 280 pm. O diâmetro de um átomo de hidrogênio, o menor, mais leve, mais simples e abundante dos elementos químicos, é 25 pm. Este é o domínio observado através dos microscópios de varredura. Inventados nos anos 1980, são os mais avançados.
6 – O NÚCLEO ATÔMICO
Comprimento: 1 femtômetro (fm) = 0,000.000.000.000.001 metro
Quando as dimensões atingem a quadrilionésima parte do metro, o femtômetro, adentramos os domínios subatômicos. O diâmetro médio de um núcleo atômico, com seus prótons e nêutrons reunidos, é 10 femtômetros. Já o diâmetro de prótons e nêutrons é 1 femtômetro. Ou seja, o átomo é rigorosamente uma esfera vazia no centro da qual reside um núcleo 100 mil vezes menor que o átomo. Em torno do núcleo orbita uma nuvem de elétrons à velocidade da luz. Afinal, onde está a matéria que observamos ao abrir os olhos? O que chamamos matéria é um imenso conjunto de átomos que são, essencialmente, ocos e vazios.
Aqui começa o mundo invisível da matéria. Nenhum núcleo atômico jamais foi observado por um microscópio. Não observar não é sinônimo de não conhecer. Os domínios do quadrilionésimo do metro são investigados 24 horas por dia, 365 dias por ano e milhões de vezes por segundo, no interior do Grande Colisor de Hádrons (LHC), o acelerador de partículas em Genebra. Os físicos usam o LHC para acelerar prótons a velocidades próximas às da luz e então chocá-los de frente, para assim poder estudar os escombros das trombadas à caça de partículas subatômicas desconhecidas.
7 – ELÉTRONS E QUARKS
Comprimento: 1 attômetro (am) = 0,000.000.000.000.000.001 metro
O elétron, esse nosso companheiro tão cotidiano, é o responsável pela eletricidade e por permitir o funcionamento da maioria das tecnologias da era da informação. O diâmetro de um elétron é a quintilionésima parte do metro ou 1 attômetro. É o mesmo diâmetro dos quarks, as partículas subatômicas aprisionadas no interior de prótons e nêutrons. Novamente, perceba, o núcleo atômico é outra estrutura essencialmente vazia, pois cada próton e nêutron é composto por três quarks, cada qual mil vezes menor. Logo, só 3 partes por mil do volume de um próton ou de um nêutron são ocupados por matéria. E do que são feitos os quarks? Essa é uma pergunta que os físicos procuram sem sucesso tentar responder há quase meio século. Se os quarks são ou não são indivisíveis, ainda não sabemos.
8 – NEUTRINOS ALTAMENTE ENERGIZADOS
Comprimento: 1 zeptômetro (zm) = 0,000.000.000.000.000.000.001 metro
Os neutrinos são ínfimos. São tão pequenos que quase não interagem com o restante da matéria do universo. A cada segundo, 60 milhões de neutrinos produzidos no Sol atravessam cada centímetro cúbico do seu corpo. Eles são tão diminutos que não interagem com nenhum dos trilhões de átomos aí existentes. O diâmetro de um neutrino altamente energizado é um sextilionésimo de metro ou 1 zeptômetro.
9 – O NEUTRINO DE BAIXA ENERGIA
Comprimento: 1 yoctômtero (ym) = 0,000.000.000.000.000.000.000.001 metro
O yoctômetro ou a septilionésima parte do metro, é o diâmetro de um neutrino de baixa energia. É a menor das partículas subatômicas. Se existe alguma partícula menor, ainda não foi descoberta nem prevista em teoria.
10 – O MILÉSIMO DO YOCTÔMETRO
Comprimento: 0,000.000.000.000.000.000.000.000.001 metro
Por que não há nome para uma unidade de comprimento mil vezes menor que o yoctômetro? É porque os métodos de observação atuais não alcançam distâncias tão curtas, logo esta medida não é utilizável, daí AINDA não ter nome.
11 – O MILIONÉSIMO DO YOCTÔMETRO
Comprimento: 0,000.000.000.000.000.000.000.000.000.001 metro
Idem (vide acima). A vastidão de vazios oculta no interior da matéria de que Feynman falou parece não ter fim.
12 - O BILIONÉSIMO DO YOCTÔMETRO
Comprimento: 0,000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.001 metro
Ibidem. Feynman era um gênio, um dos pensadores do século XX.
13 – O COMPRIMENTO DE PLANCK
Comprimento: 0,000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.16 metro
É o final da jornada microcósmica. O comprimento de Planck é 160 trilhões de trilhões de trilhões de vezes menor do que o metro. Ou 160 avos da bilionésima parte do yoctômetro. É o infinitamente pequeno, uma distância inconcebivelmente curta. Para os físicos defensores da Teoria das Cordas, é nesta dimensão que as tais “cordas” constituintes da matéria “vibrariam”, e da sua vibração ecoaria o mundo como o conhecemos.

O vazio universal

O comprimento de Planck é um limite universal - e um conceito teórico. Ele nunca foi observado, provavelmente nunca o será, e sua existência só é descrita por equações. Se existe algo menor, falta-nos um novo Albert Einstein, outro Isaac Newton ou um Max Planck para revelar uma lógica da Natureza insuspeita, capaz de reger a ordem universal em um nível ainda mais elementar.
Neste itinerário que parte das dimensões do nosso cotidiano até chegar ao âmago da matéria, o que salta aos olhos é o inacreditável, o quase incomensurável vazio ao qual chamamos matéria. Tanto nos mais íntimos recônditos do átomo quanto nas vastidões interestelares e intergalácticas, o que existe é o vazio - ou praticamente nada. Voltando ao Big Bang, antes dele não havia nada, e do nada brotou o tudo. E o tudo, o universo, é vazio. Logo, o nada ainda é o nada - à exceção das 400 bilhões de galáxias, com as suas centenas de bilhões de estrelas e planetas - e, claro, da vida que nos move.
P.S.
Aos interessados em visualizar o que significaria uma viagem dimensional do Big Bang ao coração da matéria, sugiro uma visita ao site A escala do universo.
E aos leitores que puderem um dia ir a Nova York, defendo ardorosamente uma visita ao Planetário Hayden, no Museu Americano de História Natural. O planetário é dos anos 1930. Ele foi reformado em 2000. Agora tem uma esfera prateada de 20 metros de diâmetro que simboliza o universo. Ao seu redor, uma rampa em espiral de 110 metros desce lentamente, envolvendo a esfera. É o Passeio Cósmico (ou Cosmic Pathway), um trajeto que nos leva do macrocosmo ao microcosmo. É um passeio inesquecível.