sábado, 13 de novembro de 2010

"Um Pouco Mais de Azul: A Evolução Cósmica"


Nome do livro original:
"Patience dans l'azur : la evolution cosmique"

Autor:
Hubert Reeves

Edição em português:
Livraria Martins Fontes Editora; 258 páginas + figuras


Dados sobre o autor

O astrofísico Hubert Reeves nasceu em Montreal, Canadá. Atualmente reside na França onde é diretor de pesquisa do Centre National de la Recherche Scientifique. O Professsor Reeves ocupa este cargo desde 1965. Ele é especialista em astrofísica nuclear, tendo desenvolvido trabalhos sobre a origem dos elementos leves no nosso Universo, tais como o hélio, deutério e lítio. O professor Reeves escreveu vários livros de divulgação científica, entre eles "A Hora do Deslumbramento" e "Poeiras de Estrelas", ambos vendidos pela Livraria Martins Fontes. Hubert Reeves tem se destacado pela contínua preocupação com o meio ambiente do nosso planeta. Ele tem escrito sobre ecologia e participado de vários simpósios, conferências internacionais e programas de televisão para debater sobre o futuro do planeta Terra. Reeves é membro do "Le Conseil pour les Droits des Generations Futures" ("O Conselho pelos Direitos das Gerações Futuras") onde ocupa lugar de destaque.


"Um Pouco Mais de Azul"

Aqueles que gostam de ler sabem como é gostoso se surpreender com um bom livro. No entanto, eles também sabem a frustação sentida quando temos uma decepção. Infelizmente este é o sentimento em relação ao livro "Um Pouco Mais de Azul" escrito pelo astrofísico Hubert Reeves. Conhecendo-se a competência do autor a decepção é maior ainda. Reeves é um nome importante da astrofísica. Seus trabalhos revelam o conhecimento que ele possui e a seriedade de suas propostas são mostradas na sua vida cotidiana, na sua luta para que consigamos viver em um mundo melhor e mais responsável. No entanto, seu livro não faz juz à importância do seu nome na ciência. Aliás, isto não é prerrogativa de Reeves. Quantos grandes nomes da Física e Astronomia se aventuraram pelo campo da divulgação científica e não conseguiram o seu intento maior: fazer com que os leitores terminem a leitura do seu trabalho com a sensação de ter aprendido mais e esclarecido problemas anteriores?


O livro do Professsor Reeves é fraco por ser ambicioso e perder o rumo, isto tudo ao mesmo tempo. Reeves começa falando sobre cosmologia, passa para estrelas, vai para a biologia, fala sobre geofísica, volta para astronomia, tudo isto mesclado com hinduísmo e abomináveis analogias. Sua grande fraqueza está em duvidar da capacidade dos leitores em entender processos físicos, em querer trivializar o que já está mais do que conhecido. Os que escrevem divulgação científica teêm que entender que o seu público é selecionado. você não escreve um livro deste porte para um público qualquer. Isto é irreal. A conseqüência é um texto que parece ter sido escrito para pessoas sem qualquer escolaridade, que não sabem nem ao menos que a Terra é redonda!


O mais irritante no livro do Professor Reeves é a sua divagação. A impressão que fica é que ele foi montado a partir de um punhado de textos escritos separadamente e grampeados com a intenção de formar um conjunto. Não conseguiu. O texto é, em algumas partes, inteiramente anárquico. Passa-se de um assunto para outro, por exemplo, de cosmologia para cromossomas, de uma maneira inteiramente forçada que deixa o leitor perguntando: e daí?. Além disso, numa tentativa de trivializar partes do assunto, o Professor Reeves usa analogias completamente gratuitas, que em nada ajudam o leitor. No meio de um texto surge uma analogia com um deus hindu. Mesmo que você goste de religiões orientais a pergunta que fica é: e daí? A pior de todas é a analogia feita com o filme Bambi de Walt Disney. Ele diz:


"Uma seqüência do filme Bambi, de Walt Disney, mostra-nos o pequeno animal ao nascer. Ele se olha, espreguiça, dá alguns passos e descobre maravilhado seus músculos e seu corpo. Imaginemos então os nossos átomos recém-nascidos, ocupados em descobrir sua estrutura e o inventário de suas possibilidades. Alguns se parecem com o hélio. Esféricos, fecham-se sobre si mesmos, como uma tartaruga ou um porco-espinho amedrontado." (página 83)

Que Buda, Shiva e todos os deuses hindus nos protejam!

Outra analogia tenebrosa é feita quando o autor fala sobre os efeitos relativísticos das altas velocidades:



"Um homem passeia com o seu cão. Enquanto ele anda calmamente pelo caminho, o cão vai e vem, adianta-se cem metros à frente de seu dono, volta, vai cem metros para trás, sempre correndo. A longa cauda do cão agita-se rapidamente da direita para a esquerda. Enquanto o caminhante percorre um quilômetro, o cão percorre cinco e a cauda vinte e cinco. Chega a noite: o cão é mais novo do que o caminhante, e a cauda do cão é mais nova do que o cão...." (página 159)

Como é mesmo aquela oração bem antiga que nos protege de cães raivosos? Eu lembro que é dedicada a São Romão!


O livro é confuso. Tenta fazer uma ligação entre o macrocosmos, a Cosmologia, e o microcosmos, a Física dos átomos e moléculas, passando pela Biologia. Resultado: não é um livro bom nem de Astronomia nem de Biologia, só falando, com poucas exceçãoes, sobre o trivial nos dois assuntos. Além disso ele é muito repetitivo, sempre voltando ao mesmo assunto para explicar do mesmo modo. Como se fosse um longo discurso tumultuado, Reeves fala demais e, devido à falta de figuras, o texto é muito denso. Aliás, o livro possui 42 figuras colocadas no seu final, separadas do texto. Poderia não tê-las pois elas realmente ajudam muito pouco na compreensão dos assuntos ali tratados.

Por ser um livro escrito em 1980 e complementado em 1988 (só editado no Brasil em 1998) ele está desatualizado. Lembre-se que ele é anterior ao lançamento do Hubble Space Telescope e de diversos outros satélites que nos revelaram fenomenais descobertas.



Na sua tentativa de simplificar a ciência Reeves comete alguns pecados capitais, principalmente quando trata da Cosmologia. Vejamos alguns:


1) querendo usar uma linguagem "popular" Reeves escorrega ao falar da "fulgurante explosão" (página 2 e 10) ao se referir ao Big Bang, ou então ao dizer "O fluido-universo está em expansão como um bolo que cresce no forno" (página 9), uma analogia perigosa e ultrapassada felizmente descrita de modo muito melhor e cuidadoso na página 23.

2) na página 14 e 15 é citada a "nebulosa de Andrômeda" e, na página 15 ele escreve que as "nebulosas mais espetaculares, vistas a olho nu, são as duas Nuvens de Magalhães" ao se referir às galáxias do mesmo nome embora logo em seguida (página 15) ele redefina estes objetos como galáxias. Nem cabe aqui imaginar falta de conhecimento do autor, isto seria absurdo. Apenas o texto é mal escrito e confuso.

3) "Mais tarde, ao redor das estrelas em formação, estas poeiras se aglutinam e originam os planetas. Alguns deles possuem atmosferas e oceanos...". (página 55) Fica a pergunta de como o autor sabe que existem planetas com oceanos se até hoje só foram detectados planetas gasosos tipo Júpiter.

4) "Ao nascer, o universo está adormecido em relação à todas as forças da natureza" (página 63). Poderia alguém me dizer o que está regendo as leis cósmicas?

5) "O coração da estrela constitui um único núcleo gigantesco de nêutrons, mantido pela força da gravidade. Daí o seu nome; "estrela de nêutrons". Também as chamamos pulsares, pois se acendem e se apagam várias vezes por segundo". Temos aí duas informações equivocadas: nem as estrelas de nêutrons são formadas exclusivamente por nêutrons e nem os pulsares "se acendem e se apagam".

6) "Ligado pela gravidade, um planeta, em órbita circular, pode manter-se a uma distância em que a temperatura seja moderada". Corpos acelerados não são estáveis em órbitas circulares.

7)"apesar dos vários esforços não se conseguiu observar a detecção de prótons. ...Os físicos depositaram grande esperança nessa detecção" (página 48). Aqui está faltando alguma coisa pois o autor certamente está se referindo ao "decaimento do próton".

8) "Eles seriam pequenos planetas, como Fobos..". Além do erro de tradução (em vez de pequenos planetas deveria ser usado o termo "planetas menores"), há um equívoco em considerar Fobos, que é um satélite de Marte, como sendo um "planeta menor", nome geral que é dado aos asteróides".

Outros erros foram introduzidos pela tradução não sendo, portanto, responsabilidade do autor. Alguns deles são:


1) na página 22 cita-se "movimento isótropo" em vez de movimento isotrópico.

2) "[matéria e antimatéria] continuamente elas se anulavam em luz" (página 34) e "a partir da luz e da anulação em luz.." (página 35). O termo correto seria "aniquilação"

3) "neutrinos maciços" (página 45). Neutrinos com massa seria bem melhor.

4) "os átomos são constituidos por núcleos (prótons, nêutrons)", citado na página 48. Tradução errada pois ele está se referindo a nucleons (prótons e nêutrons)

5) em algumas páginas o nome das nebulosas aparecem traduzidos para o português, em outras não, o que pode levar o leitor a imaginar dois objetos diferentes. Exemplo: nebulosa do Trevo (página 135) e nebulosa Trifide (figura 36), que são o mesmo objeto. Aliás, é bastante comum não traduzirmos alguns nomes de objetos celestes. Um deles é o desta belíssima nebulosa, conhecida apenas como Trifide.

Outro problema é a utilização de uma terminologia não correta em vários pontos. Devemos lembrar que muitas vezes não se pode fazer uma tradução palavra por palavra quando tratamos com linguagem científica. Muitos termos possuem uma nova expressão em outras linguas, e para isso é necessária uma revisão técnica. Traduzir simplesmente as palavras muitas vezes danifica a informação que está sendo passada ao leitor, criando uma falsa linguagem científica não usada em lugar algum. Citemos alguns exemplos:


1) na página 16 usa-se o termo "Aglomerado Local". A terminologia usada em português é "Grupo Local".

2) "tanto nas galáxias ativas como nas galáxias preguiçosas" (página 33). Teria sido melhor falar em galáxias normais, embora este termo também não seja muito adequado.

3) "família eletrônica" (página 41) em vez de "família do elétron"

4) "a velocidade de libertação" (página 43). O termo usado em português é velocidade de escape.

5) "Sua duração total na "série principal" terá sido ..." (página 72) quando o termo usado pelos astrônomos é "seqüência principal"

etc, etc, etc........


Aproveita-se alguma coisa neste livro?

Sim. Por incrível que pareça, após tantas críticas, devemos dizer que o livro é bom no "Apêndice" que vai da página 201 à página 254. Nesta parte Reeves faz uma descrição um pouco mais técnica, mostrando tabelas e gráficos de evolução estelar que são bastante úteis. Ele não usa expressões matemáticas e a linguagem é bastante acessível, mesmo para quase-leigos. Vale a pena conferir.

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