sábado, 19 de fevereiro de 2011

Alex Soletto

Isqueiro

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PERFIL
Formado em Comunicações Visuais pela Universidade Mackenzie e há 33 anos fotógrafo e jornalista, já publicou um livro com fotos suas e texto do Prof. Paulo Nogueira Neto, “Do Taim ao Chui”. Teve duas de suas fotos de capa da Revista IstoÉ laureadas com o Prêmio Esso, em 2000 e em 2002. Fez parte das equipes de jornalistas que criaram as revistas, Senhor, Hippus e IstoÉ Dinheiro. Amador curioso das Ciências em geral.

ALEXANDRIA, A BIBLIOTECA.


Não gosto de transcrever textos alheios, assim na integra. Mesmo que citações. Mas, acho que este vale a pena pela sua modernidade e qualidade intelectual do autor, um ser humano único. Um cidadão Cosmopolita (do Cosmos), como sonhava ser. Os trechos foram extraídos da obra clássica do astrônomo e pesquisador Carl Sagan, Cosmos. Cosmos foi produzido em 1975 para uma série da TV americana e posteriormente lançado em DVD em 2000. O trabalho mostra com maestria, um épico do nosso Universo. Através da filosofia, física, astronomia, história e de outras fontes do conhecimento, Carl Sagan faz um resumo impecável do passado, presente e possíveis futuros do Cosmos, com várias previsões feitas por ele, hoje confirmadas. Trata-se de uma obra-prima imperdível para quem é curioso a respeito da história da humanidade. O assunto abordado por nós está no quinto DVD da série, com o título principal de “O Futuro da Terra” e sub-título, A Biblioteca de Alexandria.

Biblioteca de Alexandria, O Centro da Ciência e do Saber da Antiguidade
A Biblioteca de Alexandria era praticamente uma extensão do Museu de Alexandria construído por Ptolomeu I Sóter (os Ptolomeus. Assim eram chamados os reis gregos do Egito, sucessores de Alexandre) e que teve o filósofo Demétrio de Falério, como seu primeiro incentivador. Mas foi Ptolomeu Filadelfo, o sucessor de Ptolomeu I, quem mais insistiu na importância do Museu e da Biblioteca, como símbolo da política e da cultura Grega. A data é incerta mas considera-se que tinha sido fundada em 280 a.C. e foi finalmente destruída em 416 d.C. Alexandria sob o domínio de Roma, em 48 a.C. tinha como freqüentadora, a princesa Cleópatra, amante de César. O próprio César acompanhava a princesa em visitas a biblioteca, e consta que realmente admirava aquela obra monumental, que continha um arquivo cultural imenso, construída a oeste do delta do rio Nilo e às margens do Mediterrâneo. Durante toda sua existência, a biblioteca sofreu vários ataques e destruições e sempre foi reconstruída. A mais famosa história foi protagonizada por Júlio César, que tentando matar seu inimigo, Pompeu, acabou por acidente, incendiando parte da cidade de Alexandria e a própria biblioteca. Esta passagem não é totalmente aceita pelos historiadores. Durantes seus anos de glória a biblioteca chegou a ter arquivados perto de 400.000 rolos de papiro. Alguns falam em pelo menos o dobro disso. Os papiros tinham em media, 25cm. de altura por 11m de comprimento. Nos seus acervos podia-se encontrar textos sobre matemática, astronomia, mecânica, medicina e outras fontes do saber. Escritos de Platão, Aristóteles, Zenão, Euclides e Homero. Arquimedes, Galeno, Ptolomeu (o astrônomo) e Hipátia, também faziam parte dos pensadores da antiga biblioteca. O velho testamento, o Pentateuco dos Judeus, estava por lá, em 70 manuscritos traduzidos do hebreu para o grego. Temos ai, alguns exemplos. Foi o primeiro centro de investigação da história do mundo. Hoje já não é pouco considerada a versão de que, sua destruição final foi ocasionada pelos árabes no ano de 642. O mais correto é que, Teófilo, um bispo radical de Alexandria fez uma última investida contra a biblioteca no ano de 416. Considerava-a como uma afronta ao cristianismo, onde via o paganismo e o ateísmo como representantes máximos do conteúdo da maior (mais importante) biblioteca jamais existente até os dias atuais. Abaixo em itálico, textos de Carl Sagan.

“No séc.III a.C., o planeta foi mapeado e medido com precisão por Eratóstenes, um cientista grego que trabalhava no Egito. Eratóstenes era o diretor da grande Biblioteca de Alexandria, o Centro da Ciência e do Saber na Antiguidade. Para um outro filósofo grego, Aristóteles, a humanidade dividia-se entre gregos e todo o resto, que ele chamava de “bárbaros”. Para ele, os gregos deviam manterem-se racialmente puros e que cabiam aos gregos a escravização de outros povos. Eratóstones criticava o chauvinismo cego de Aristóteles...
Alexandre foi retratado como um faraó, num tributo aos egípcios, mas na prática, os gregos achavam-se superiores. Mas os Ptolomeus tinham ao menos uma virtude: apoiavam o avanço do conhecimento.

A grande biblioteca ficava no Porto de Alexandria perto da sétima maravilha do mundo antigo, o Farol de Alexandria. Por isso era um local freqüentado por pessoas do mundo todo. Turistas, navegantes, negociadores e estudiosos. Todo tipo de conhecimento mais moderno da época acontecia ali, no porto de Alexandria. Todo conhecimento acumulado durantes séculos foi registrado e acumulado ali ao lado, na biblioteca de Alexandria. Nas palavras de Sagan: “ Aqui o termo “Cosmopolita” aplicava-se em seu sentido literal, de um cidadão não apenas de uma nação, mas do cosmos.

Sementes do Mundo Moderno
“Mas isso não aconteceu. Imaginem se a perspectiva humanitária de Eratóstenes tivesse sido adotada e aplicada para o bem comum. Aqui estavam as sementes do mundo moderno. Mas por que não floresceram? Por que o Ocidente permaneceu durante mil anos nas trevas, até Colombo, Copérnico e seus contemporâneos redescobrirem o trabalho feito aqui? Não posso lhes dar uma resposta simples, mas sei que não há durante toda a história da biblioteca de que algum dos ilustres estudiosos e cientistas daqui tenham em algum momento desafiado seriamente um único dogma político, religioso ou econômico da sociedade em que viviam. A perenidade das estrelas era questionada. A legitimidade da escravidão, não era”.

Il Gran Finale
Uma das grandes cabeças pensantes da biblioteca de Alexandria era a de uma mulher. Uma matemática. Hipátia. Talvez a primeira mulher a contribuir decisivamente no desenvolvimento da matemática. Hipátia era filha do filósofo Théon. Ela era uma representante da escola Neoplatônica, cujo fundador foi Plotinus. Hipátia representava e ensinava as diversas ciências nos salões da biblioteca. Em 412 Cirilo torno-se patriarca de Alexandria, quando Orestes era seu prefeito. Cirilo representando a Igreja era contrario as idéias modernas de Orestes. O prefeito Orestes e Hipátia eram simpatizantes e amigos. Por estas e outras razões, os cristãos viam na matemática um símbolo do paganismo. Seu trágico fim, como relata Carl Sagan abaixo representou ao mesmo tempo a intolerância da Igreja e a resistência de alguém que acreditava na importância do conhecimento como meio para uma evolução do próprio homem.

“Deixe-me falar sobre o fim. É a história da última cientista, astrônoma e física que liderava a escola da filosofia neoplatônica de Alexandria. Um conjunto de feitos incríveis para qualquer cidadão em qualquer época. O nome dela era Hipátia. Nasceu em Alexandria no ano de 370 d.C.
Naquela época, as mulheres não tinham muitas alternativas. Eram consideradas propriedades. Apesar disso, Hipátia movia-se livre e desembaraçadamente em domínios tradicionalmente masculinos. Embora não faltassem pretendentes, não tinha interesse nenhum em se casar. Alexandria era uma cidade em conflito. A escravidão já havia minado a civilização clássica. A Igreja Cristã em expansão estava consolidando seu poder e tentando erradicar a influência e a cultura pagãs. Hipátia estava no meio, no epicentro destas forças sociais. Cirilo, o bispo de Alexandria desprezava-a, em parte por ela ser muito amiga do governador Romano, mas também por que ela simbolizava o estudo e a ciência que a Igreja associava com o paganismo. Correndo grande risco, Hipácia continuou a ensinar e a publicar até que no ano de 415 a caminho do trabalho foi abordada por uma horda de seguidores fanáticos de Cirilo que a arrancaram de sua carruagem rasgaram-lhe as roupas e a esfolaram até os ossos usando conchas afiadas. Seus restos mortais foram queimados e suas obras caíram no esquecimento. Cirilo foi canonizado.
A Biblioteca de Alexandria e toda sua glória não existem mais. Foi destruída 1 ano depois da morte de Hipátia. Era como se uma civilização inteira tivesse se submetido a uma cirurgia cerebral. Suas memórias, descobertas e idéias foram extirpadas. Por exemplo, das 123 peças de Sófocles, só sobraram 7 delas. Uma deles é Édipo Rei. É como se as únicas obras de Willian Sheakspear fossem, Coriolano e Um Conto de Inverno. Embora soubéssemos que ele escrevera também Hamlet, Macbeth, Rei Lear e Romeu e Julieta. A história está cheia de pessoas que, por medo, ignorância ou sede de poder destroem tesouros de incomensurável valor, que na realidade pertencem a todos nós. Não podemos permitir que isso aconteça de novo”.

Bagdá, Hoje
Em 2003, a Bagdá tomada pelos americanos foi palco das preocupações de Carl Sagan. Embora não saibamos com certeza quem foram os responsáveis, sabemos que as tropas americanas não deram a devida proteção aos centros culturais, como museus e bibliotecas da capital iraquiana tomada. Resultados: como é comum em conflitos ou guerras, os vencedores se apropriam e mesmo destroem, símbolos do antigo governo deposto. Em abril de 2003 a imprensa mundial noticiou o saque ao Museu Arqueológico de Bagdá. No dia 14 do mesmo mês, perto de 1 milhão de livros foram queimados na Biblioteca Nacional. Parece que os exemplos dos incêndios de Alexandria, ou a queima de livros pelos nazistas, não ensinou nada aos homens. Os livros lamentam e Carl Sagan nos observa atônito, do Cosmos...

“Onde queimam livros, acabam queimando homens”.
Heinreich Heine.

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