terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O ano em que me queiras
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Uma proposta de se evitar números neste texto parece esbarrar em algum sinal de impossibilidade. De qualquer forma, tentando ser o menos cansativo possível, vamos direto ao imperador Constantino que, desde o Primeiro Concílio de Niceia, em 325, aderiu às ideias do cristianismo, depois imposto à força ao povo romano, que seria a religião predominante na Europa pelos sombrios séculos seguintes, como hoje sabemos. Mas Constantino não podia saber disso. Não podia saber que aqueles territórios ao norte se chamariam Europa. Que os cristãos do futuro viriam a perseguir os não-cristãos. Que depois de mil anos isso tudo também passaria. Constantino não sabia que estava no ano 325.

Nosso calendário é uma herança de Dionísio, um monge cita, supostamente conhecedor de astronomia e matemática, que vasculhou a história da civilização romana desde a data de sua fundação e estabeleceu a contagem dos anos a partir do nascimento de Cristo, que ele fixou, em 525, no ano 1. Mas Dionísio, dito o Humilde, não considerou um período de quatro anos durante os quais o imperador Augusto governara com seu nome verdadeiro, Otávio. Por isso errou na conta. Seu calendário foi revisto pelo Papa Gregório 13, dez séculos depois, e… confirmado. O erro tornou-se oficial a partir de então. Esse, portanto, é o calendário gregoriano, que usamos hoje e que contradiz o que atestam os historiadores, comparando registros e eventos datados: Jesus nasceu antes de Cristo.

O mesmo Gregório foi quem proibiu o livro de Copérnico (De revolutionibus orbium coelestium), no qual se declara que a Terra gira em torno do Sol, não o contrário. Mas como há um limite para o poder autoinstituído pelas autoridades clericais, o Papa pôde oficializar um calendário, mas não pôde impedir o planeta Terra de obedecer a Copérnico. Mas isso já é outra história – a Terra continua girando em torno do Sol e, aos poucos, vai dando um jeito nisso tudo.

Antes de todos esses cálculos, meio confiáveis, meio arbitrários, e dos equívocos e desmandos dos sábios eclesiásticos, usava-se o calendário juliano, sucessor do chamado calendário romano. Os romanos tinham dificuldades em identificar as mudanças das estações do ano – nós, brasileiros, sabemos bem como é isso. Assim, não era consenso estabelecer as datas de plantio, entre outras necessidades. Júlio César então pediu à sua namorada, Cleópatra, que emprestasse a folhinha usada lá na sua terra e que funcionava muito bem. Pronto, aí está Roma de calendário novo, agora sim – e o mês quintilis passou a se chamar julius, em homenagem a esse célebre tirano. Os egípcios, que foram os primeiros a se orientar pelo Sol para calcular o tempo, tinham como base as enchentes do rio Nilo, que chegavam todos os anos no mesmo dia, pois no norte da África não há correntes de ar úmido que desregulem tais ciclos. Quanto a Cleópatra, esta sabia explorar sempre em seu favor as diferentes correntes da vida. Júlio César era seu amante. O Nilo era seu relógio.

Sabemos que os árabes contam os anos a partir da Hégira, o episódio da fuga de Maomé para Yatrib (hoje Medina) em 622, e que os chineses, mantendo o mais antigo calendário ainda em uso, com bichos para a identificação de cada ano e para apadrinhar cada pessoa, adotaram, em nosso 1912, a datação ocidental para facilitar as relações comerciais. Outros povos têm outras datas, outras lendas, outras festas. De qualquer forma, cada cultura tem sua convenção, seu início e final de ano, seus eventos característicos, enquanto a Terra gira para todos nós à mesma velocidade.

Bem, mas afinal quando foi que este planeta começou a girar? Lá vamos nós de novo: tomando por referência o calendário cristão, o arcebispo irlandês James Ussher, em seu estudo baseado no Livro do Gênesis e na duração da vida dos descendentes de Adão, calculou nada menos que a data da criação do mundo. O ano, 4004 a.C. Tudo começou num domingo, 27 de outubro, às nove da manhã, segundo ele. Sim, isso é que é precisão matemática, sem dúvida, embora algumas versões apontem para o 23 de outubro, às 15:30h. Mas não era bem um domingo de sol, se é que o pudéssemos ter visualizado assim. Ainda não havia o Sol.

Essa talvez tenha sido a mais curiosa trapalhada envolvendo calendários e datações. Poderíamos fazer coleções delas – se nossa paciência assim o permitisse, em nosso breve tempo de vida. Enquanto isso, o nosso velho amigo tiranossauro, extinto há 65 milhões de anos (aliás, 65,5: esse meio significa quinhentos mil anos, vamos admitir, não é qualquer coisa), parece rir na nossa cara, com sua bocarra cheia de dentes fossilizados, indiferente às nossas crenças e tábuas e contas. Também, de um animal primitivo assim, o que poderíamos esperar?

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